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sociedade

Artigo: Até aí tudo bem

Palavras não são só palavras, ainda mais quando ditas por indivíduos que, pela posição hierárquica que ocupam dentro de uma sociedade civilizada, vêm cobertas de sentidos vários

O governo federal estuda formas de tornar os concursos públicos menos
elitistas. A proposta é criar regras mais democráticas, que tornem a concorrência
acessível a todas as camadas da sociedade, com entrevistas, avaliação da saúde mental, testes psicotécnicos e aplicação de provas de forma remota. -  (crédito: kleber sales)
O governo federal estuda formas de tornar os concursos públicos menos elitistas. A proposta é criar regras mais democráticas, que tornem a concorrência acessível a todas as camadas da sociedade, com entrevistas, avaliação da saúde mental, testes psicotécnicos e aplicação de provas de forma remota. - (crédito: kleber sales)
postado em 05/07/2023 06:00

Palavras não são só palavras, ainda mais quando ditas por indivíduos que, pela posição hierárquica que ocupam dentro de uma sociedade civilizada, vêm cobertas de sentidos vários. É preciso, portanto, ir além do entendimento do que esses líderes dizem, analisando palavra por palavra, observando que outros sentidos podem estar ocultos atrás de cada uma delas. Esse é um dos métodos recomendados para os precavidos e para todos aqueles que se cuidam a fim de não cair em armadilhas. Os incautos andam como cegos. Os que cultivam o bom senso preferem as trilhas clareadas pela luz.

É seguindo essas recomendações que devemos analisar com cuidado a associação de palavras com conceitos firmados, de modo a entender o significado real da expressão e, quiçá, ligá-lo corretamente à pessoa que o proferiu. Assim, temos a expressão, dita pelo atual mandatário em entrevista, que "o conceito de democracia é relativo". Obviamente, cada indivíduo tem, de acordo com sua experiência, um conceito próprio de democracia. Até aí tudo bem. O problema é quando o conceito de democracia passa a adquirir uma elasticidade e um misto de relativismo e personalização tal que acaba por destruir ou inverter o sentido real de democracia, erigindo, em seu lugar, qualquer outro fantasma, que, seguramente, não será a democracia, "comme il faut", e que prevalece hoje em boa parte do Ocidente desenvolvido.

Para muitos não se deve gastar tempo e tintas analisando garatujas mentais.Mas em se tratando de quem disse o que disse e quais possíveis desejos camuflados por trás desse entendimento e suas consequências para o futuro da nação, é preciso esmiuçar essa fala, ligando-a diretamente a quem a proferiu. Vai que nos vazios entre uma letra e outra, várias legiões de demônios estão amoitados à espera da hora derradeira.

A democracia, como a entendemos na modernidade, é apoiada por alguns pilares fundamentais e até absolutos, como é o caso de eleições periódicas livres, justas e amplamente auditáveis em caso de controvérsias. Também se apoia no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Outro pilar é representado pelo Estado de direito e de governança democrática, em que reina o império e o governo da lei. Outro apoio é o do pluralismo político e da responsabilidade direta de todos por suas ações. Há ainda o pilar da participação dos cidadãos no processo político, dentro dos princípios do igualitarismo, civilidade e de liberdade, ensejando o direito a todos, por meio de negociações políticas constantes, sempre com base na imutabilidade de uma Constituição soberana e acordada por todos.

Poderíamos estender outros pilares, nos quais a democracia se firma, como é o caso de aceitar a candidatura de quaisquer brasileiros que atendam às exigências previstas e apresentem uma ficha pretérita limpa e sem máculas, mas isso seria enfadonho demais e até redundante. A questão aqui é demonstrar que esses e outros pilares são absolutos, ou seja, devem ser mantidos, com firmeza, onde estão, cimentados pelo o que reza a Constituição, descartando portanto, quaisquer outros relativismos não previstos.

Partindo de uma comparação entre dois ou mais elementos, para melhor analisá-los sob diferentes perspectivas, a relativização se opõe ao que é absoluto. Com isso, fazendo-se uma comparação, ao acaso, entre Brasil e um outro país, como a Venezuela, é possível chegar a conclusão de que aquele país não segue os ditames democráticos, sendo, portanto, uma ditadura em todos os seus sentidos.

A continuar ainda um exercício de relativização, ligando quem disse à razão e como disse, o que disse, e ainda por cima agregou à afirmação de que a Venezuela é mais democrática do que o Brasil, podemos inferir que a democracia é mesmo um conceito relativo. Relativo e passível de ser transformado e igualado naquilo que se transformou hoje o país de Nicolás Maduro.

 


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