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Natureza

Artigo: Um rio de nome Vida

Talvez a vida seja como um rio. A correr mansamente por entre a mata; às vezes, suas águas ganham velocidade necessária para transpor pedras e troncos e seguir o seu caminho

 Jardim Botânico de Brasília: um local de contemplação e reconexão com a natureza -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Jardim Botânico de Brasília: um local de contemplação e reconexão com a natureza - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
postado em 05/07/2023 06:00

Talvez a vida seja como um rio. A correr mansamente por entre a mata; às vezes, suas águas ganham velocidade necessária para transpor pedras e troncos e seguir o seu caminho. Até que o rio se mistura com as águas do mar. Uma metáfora para a morte. Somos rios que, ao partirmos, desembocamos de volta ao Universo. Para quem acredita, somos abraçados pelo divino. Anteontem, conversava com colegas daqui da empresa sobre a morte. É a única certeza inexorável que temos. Dela ninguém vai escapar. Resta a nós buscarmos ser rios transparentes, seguirmos a nossa caminhada com mansidão e força, se preciso for. Mas, sem jamais perdermos a humildade, a honestidade e a paz. Deixarmos uma saudade gostosa, a lembrança de uma gargalhada solta, a doçura de um olhar, a prontidão da amizade, um afeto contido em palavras, um beijo apaixonado.

Os cabelos brancos também me trazem a reflexão. Penso em como a vida é tão frágil e fugaz. Às vezes, ainda me vejo criança, riacho cheio de sonhos e meio tímido. Eu me recordo de tantas pessoas que daqui partiram rumo ao mar. Quantos ensinamentos me deixaram! Quantas boas conversas me ofertaram! Uma delas, Divino Alves, botafoguense convicto, exímio diagramador das páginas de Mundo do Correio Braziliense e, também, um amigo, a quem confidenciava minhas angústias e alegrias. Foi de encontro ao oceano em 4 de dezembro de 2019, aos 63 anos — 25 deles dedicado ao jornal. Além de grande profissional, era exemplo de resiliência: mesmo sem poder caminhar, vinha para a redação e fazia seu trabalho como se fosse um menino descobridor de seu talento.

Vinte meses antes, partia a jornalista Valéria Velasco, um modelo de coragem, de resistência e de força sem igual. Ante a maior das tragédias, a perda de seu filho, covardemente assassinado, fez da paz uma bandeira. O semblante sereno e a voz calma escondiam uma guerreira em prol da justiça e de outras mães que também sofreram a pior das dores. Por esses amigos sinto gratidão pela convivência e pelo aprendizado.

Sim, talvez a vida seja como um rio. Quando for a minha hora de chegar à foz, espero ver à beira da praia pessoas que um dia admirei e aquelas a quem amei. Talvez eu tenha a sorte de chegar ao pôr-do-sol ou ao amanhecer. Por enquanto, quero singrar a mata sob o céu azul, tendo a calma necessária para vencer os obstáculos e para admirar as belezas da vida. Sem jamais me esquecer da lição de tantos que por aqui passaram e deixaram seu legado.

 


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