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Amazônia

Artigo: Injustiça climática

Nunca imaginamos que algum dia a Amazônia enfrentaria uma estiagem tão severa. E nem que os 4,2 milhões de habitantes do Amazonas, estado que tem 97% de sua cobertura vegetal preservada, sofreriam os efeitos da seca

"A população do Amazonas está, literalmente, sofrendo as consequências de um problema criado por regiões mais industrializadas e mais ricas" - (crédito: Daniel Beltra/Greenpeace)
postado em 20/10/2023 06:00

Nós, os povos da floresta, temos pressa. Estamos acostumados ao ciclo das águas: tem época de cheia e época de seca. Mas, desta vez, tudo está diferente. Nunca imaginamos que algum dia a Amazônia enfrentaria uma estiagem tão severa. E nem que os 4,2 milhões de habitantes do Amazonas, estado que tem 97% de sua cobertura vegetal preservada, sofreriam os efeitos da seca. Dos 62 municípios, 60 estão em estado de alerta, atenção ou emergência, incluindo Manaus. O nome disso é injustiça climática.

A população do Amazonas está, literalmente, sofrendo as consequências de um problema criado por regiões mais industrializadas e mais ricas, tanto dentro do Brasil quanto no exterior. A seca que não criamos isolou comunidades inteiras e jogou 550 mil pessoas na angústia da insegurança alimentar. Os níveis baixos dos principais rios restringiram a navegação e afetaram negativamente a produção industrial da Zona Franca de Manaus.

Os sete mil focos de incêndio em setembro, o pior cenário para o mês em 25 anos, levaram fumaça para todas as regiões do estado. Com o calor recorde, a temperatura chegou aos 40 graus. Os rios evaporaram e o que se viu foi uma mortandade de peixes, botos e outros animais, muitos deles ameaçados de extinção.

Neste momento, ajuda humanitária tem sido fundamental para mitigar os efeitos da devastação. No governo do estado, não estamos medindo esforços para atender as famílias atingidas. Suspendemos a cobrança de R$ 1 nos restaurantes do programa Prato Cheio nas cidades em situação de emergência, começamos a entregar merenda escolar na casa de 6 mil alunos da rede pública estadual que estão sem aulas no interior e iniciamos a distribuição de 300 mil cestas básicas.

Também flexibilizamos a licença para abertura de poços artesianos em áreas afetadas, antecipamos o pagamento do auxílio estadual de R$ 150 e ampliaremos o mapeamento de áreas e populações em risco. Nos próximos dias, iniciaremos a dragagem emergencial de rios e reforçaremos o combate aos focos de incêndio. Esse conjunto de ações está sendo feito em parceria com a União, prefeituras, outros estados, casas legislativas e sociedade civil.

Tudo isso, no entanto, diz respeito apenas ao presente. É preciso olhar para o futuro, pois eventos extremos como este serão cada vez mais frequentes, por conta das mudanças climáticas, conforme indica a ciência. Os danos das próximas calamidades — sim, haverá outras — só serão superados se houver investimento pesado e sistemático em infraestrutura.

Dragagem de rios, pavimentação e drenagem de estradas (incluindo a BR-319), saneamento e estruturação de uma rede de proteção a quem vive em áreas mais vulneráveis estão entre as ações prementes em curto prazo. Sozinhos, os estados não têm fôlego para tais empreitadas. Não podem, portanto, prescindir do financiamento e da atuação direta do governo federal.

Sabemos que o efeito da ação humana sobre o clima é obra de mais de dois séculos. Por isso, não existe solução fácil e ligeira. Daí a nossa urgência, para que o mundo nos ouça. Em novembro, teremos uma oportunidade única: entre os dias 2 e 5, Manaus voltará a sediar o TEDxAmazônia após 13 anos. Nesta edição, a maior plataforma global de conferências destacará o protagonismo e os desafios de quem mora na porção brasileira da maior floresta tropical do planeta, com 38 milhões de cidadãos.

Sem alternativas de desenvolvimento sustentáveis, baseadas no potencial econômico da floresta e de sua gente, não seremos capazes de proteger nem a mata, ameaçada por motosserras, e nem as pessoas, ameaçadas pela miséria e por eventos climáticos extremos.

Os homens e mulheres que moram aqui têm uma ligação profunda com a floresta. Precisamos enxergar além da copa das árvores, cenário clássico da Amazônia vista de cima, para compreender o tamanho do desafio. Do contrário, teremos de nos acostumar a um novo ciclo natural, com rios monumentais reduzidos a filetes d'água, carcaças de animais sepultadas em lama, troncos de árvores em chamas, embarcações ancoradas em leito de areia, caboclos sem peixe ou mandioca para comer. Por isso a nossa pressa.

*Wilson Lima — Governador do Amazonas

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