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Educação

Artigo: Há solução para a crise da docência

Não basta ficar na defensiva: é preciso ter uma atitude que incentive quem quer oferecer cursos presenciais de boa qualidade — seja no setor público ou no privado

opini 0211 -  (crédito: kleber sales)
opini 0211 - (crédito: kleber sales)
postado em 02/11/2023 06:00 / atualizado em 03/11/2023 16:56

A cada nova divulgação dos dados do Censo da Educação Superior aumenta a preocupação com o crescimento exponencial da formação de professores no Brasil na modalidade de ensino a distância (EaD). Dos 789,1 mil alunos ingressantes em cursos de licenciatura em 2022, 81% foram nessa modalidade — e grande parte deles no setor privado. Em 2010, esse percentual era de 34%. Esse crescimento se deu ao longo de vários governos. A preocupação de todos — do ministro da Educação Camilo Santana aos educadores procurados pelas diferentes mídias — se concentra na qualidade dessa oferta.

A questão da qualidade pode ser aferida pelas notas médias dos cursos de formação de professores no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Por exemplo, os cursos de licenciatura em química, pedagogia e física tiveram notas médias de 34,59; 34,88 e 35,77, respectivamente, no Enade — cuja nota máxima é 100. Além de não atingir nem a metade dessa pontuação, houve uma queda de desempenho em relação às notas de 2014.

Mas o problema não para por aí. Examinando a taxa de desistência de alunos ingressantes nesses cursos no período de 2013 a 2022, nos deparamos com uma evasão altíssima. Em pedagogia, de cada 100 ingressantes em 2013, 48 desistiram; em física, 72; e em química, 65.

Se levarmos em conta os baixíssimos níveis de aprendizagem escolar ao final do ensino médio — em que, de cada 100 concluintes da rede pública de ensino, apenas cinco aprenderam o que seria esperado em matemática —, o quadro é extremamente grave para a educação brasileira. É preciso tomar medidas urgentes, senão vamos continuar enxugando gelo. E a lacuna educacional em relação aos países mais avançados só irá aumentar.

O que precisamos fazer? Em primeiro lugar, estabelecer mecanismos que possam monitorar a qualidade da oferta dos cursos de formação de professores — o que cabe ao Ministério da Educação (MEC). Mas não basta ficar na defensiva: é preciso ter uma atitude que incentive quem quer oferecer cursos presenciais de boa qualidade — seja no setor público ou no privado. E, para isso, não basta oferecer mais do mesmo — porque os próprios cursos presenciais também são questionados quanto à qualidade. Por exemplo, são excessivamente teóricos — as aulas práticas são pouco exploradas. Na Resolução 02/19 do CNE, que se encontra em vigor, foram destinadas 800 horas à prática — que, em geral, não são cumpridas, especialmente as 400 horas do estágio curricular obrigatório. É preciso ser menos conteudista e trabalhar o desenvolvimento de habilidades e competências que preparem o professor para o futuro do aluno, e não para o passado do professor.

O MEC, em colaboração com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que tem uma diretoria para melhorar a formação de professores, poderia criar um edital que pudesse apoiar, enquanto política pública, currículos inovadores no campo da formação de professores, incluindo aqueles apresentados pelo setor privado. Além disso, criaria o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) da qualidade da formação docente (Fies-QFD) para as instituições privadas que queiram oferecer cursos de qualidade que possam se sobrepor aos cursos de EaD de R$ 200.

Por fim, lembrando a ideia do ex-ministro da Educação Cristovam Buarque, os alunos concluintes desses cursos, certificados como inovadores, fariam parte de uma carreira nacional de professores e poderiam ingressar no serviço público sem a necessidade de fazer concurso, com um salário de partida equivalente ao de um médico em início de carreira. Isso com certeza atrairia muitos estudantes do ensino médio para a carreira do magistério. Se o Brasil soube criar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) — posterior ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado na gestão do saudoso ministro Paulo Renato Souza, hoje estratégico para a melhora salarial do professor —, caberia agora criar o Fundeb da Carreira Docente, em regime de colaboração entre a União, os estados e os municípios. Penso que isso seria possível — basta ter vontade política e dar prioridade àquilo que importa para efetivamente melhorar a qualidade da educação neste país.

Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da

 


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