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CULTURA

Artigo: Presença da cinemateca em Brasília

Trata-se de uma significativa e alentada seleção do cinema brasileiro com o melhor do que foi preservado em decorrência, inclusive, da intensa e providencial atividade

Cinemateca Brasileira: retomada -  (crédito: Cinemateca Brasileira/ Divulgação)
Cinemateca Brasileira: retomada - (crédito: Cinemateca Brasileira/ Divulgação)
VLADIMIR CARVALHOCineasta e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
postado em 04/12/2023 06:00

A Cinemateca Brasileira é um desses exemplos históricos de iniciativas que parecem vacinadas contra qualquer obstáculo que se interponha em seu caminho e que, ao contrário, parece torná-las imunes e mais fortalecidas. É o que se depreende em face dessa importante mostra de filmes e exposição, A Cinemateca é brasileira, que percorre o país sob os auspícios do Ministério da Cultura e que agora alcançou Brasília.

Trata-se de uma significativa e alentada seleção do cinema brasileiro com o melhor do que foi preservado em decorrência, inclusive, da intensa e providencial atividade da Cinemateca, que tem como norte a preservação, restauração e conservação da produção cinematográfica no Brasil. Por isso mesmo alcançou o nome e o prestígio de ser a mais destacada em seu gênero na América Latina.

A Cinemateca Brasileira foi fundada no bafejo da volta ao regime democrático, depois da Era Vargas, em 1946. Não por acaso, o principal articulador desse feito foi Paulo Emílio Salles Gomes que, naquela altura, voltara da Europa picado pelo vírus do cinema, depois da façanha intelectual de ter exumado o grande Jean Vigo (o de Zero de Conduite e L'Atalante) do esquecimento dos franceses. Ele deixara o Brasil ainda na década de 1930, depois de uma eletrizante fuga do Presídio de Paraíso, em São Paulo, onde cumpria pena por conta de suas avançadas posições políticas.

De volta ao país e sob a influência de André Bazin e Henri Langlois, no convívio da recém-criada Cinemateca Francesa, simplesmente aliciou seus velhos e queridos amigos Antonio Candido, Francisco de Almeida Sales e Décio de Almeida Prado, prestigiados intelectuais e cinéfilos de carteirinha e, juntos, partejaram o nascimento da nova entidade. Criada sob os aplausos entusiásticos da comunidade do cinema e da intelectualidade mais esclarecida, ela trazia um destino intermitente de lutas e avanços e, por longo período, enfrentou as maiores dificuldades, superando todas na nobilíssima tarefa de acolher a proteger a memória visual brasileira, num país já de si desmemoriado, como sabemos. Sobreviveu, entretanto, à míngua de recursos para prover suas instalações técnicas e o seu restrito quadro de dedicados servidores e pesquisadores. Tem, porém, superado todas as vicissitudes contando ora com a solidariedade da iniciativa privada, ora com a acolhida dos poderes públicos.

Por sorte, é de se salientar que, embora não conte mais com a presença e condução do seu eminente fundador, que há muito nos deixou, o seu legado tem sido honrado a ponto de nos comover pelo empenho que lhe devota um grupo coeso de pessoas de alta qualificação profissional, mas que prima sobretudo pela dedicação à sua causa e não mede esforços para levar adiante a sua bandeira.

A propósito, nunca será demais lembrar que Paulo Emílio é a mesma personalidade de incrível carisma que, com a sábia cumplicidade de Darcy Ribeiro e de Pompeu de Souza, iluminou os caminhos do nascedouro da nossa UnB, em 1962, inaugurando ali o primeiro curso regular e profissional de cinema do Brasil, berço incontestável do surgimento também do atual Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Por tudo isso, reputamos que a acolhida, o entusiasmo e o sucesso da mostra e da exposição retrospectiva do cinema brasileiro, no Cine Brasília, sinalizam ou simbolizam, de certo modo, a nossa gratidão ao grande e pioneiro mestre.

 

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