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Política de Cuidados

Caminhos para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidados

A distribuição desigual das responsabilidades pela garantia do cuidado, seja entre homens e mulheres, seja entre família, Estado e empresas, vem sobrecarregando mulheres e meninas, em especial as negras

Opi 0712 -  (crédito: Caio Gomez)
Opi 0712 - (crédito: Caio Gomez)
Cida Gonçalves - ministra das Mulheres
Rosane Silva - secretária de Autonomia Econômica e Política de Cuidados
postado em 07/12/2023 06:00

No último dia 5 de novembro, cerca de 4 milhões de estudantes refletiram sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil, ao escreverem suas redações na prova do Exame Nacional do Ensino Médio 2023. A juventude foi instigada a argumentar sobre os desafios para enfrentar esse problema, preocupação que está na ordem do dia do Ministério das Mulheres.

Após um mês da aplicação da prova, o Ministério das Mulheres mantém os holofotes sob a urgência do assunto com o Seminário Nacional Política de Cuidados: caminhos para a garantia da autonomia econômica das mulheres. Ontem e hoje, cerca de 200 pessoas, entre membros da academia e de movimentos sociais, se encontram em Brasília para debater a construção de uma Política Nacional de Cuidados que reduza a sobrecarga enfrentada pelas mulheres, que acumulam as atividades profissionais com o trabalho de cuidado com a família.

Ainda que, em algum momento, possamos demandar mais apoio para a realização de atividades instrumentais e básicas da vida diária, o trabalho de cuidados é fundamental e perpassa a vida de todas e todos. Contudo, permanece não sendo compreendido como uma responsabilidade que deve ser compartilhada pelo conjunto da sociedade. A distribuição desigual das responsabilidades pela garantia do cuidado, seja entre homens e mulheres, seja entre família, Estado e empresas, vem sobrecarregando mulheres e meninas, em especial as negras e com menor renda, com menos condições de acessar serviços no mercado e presentes em ocupações mais precarizadas. Segundo dados do IBGE, 92,1% das mulheres com 14 anos ou mais fizeram afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas em 2022.

Tanto essa desigual responsabilização quanto a invisibilização dessa sobrecarga estão associadas à persistência de uma divisão sexual do trabalho que ainda designa às mulheres trabalhos associados ao espaço da casa e dos cuidados, e aos homens trabalhos considerados produtivos e orientados ao espaço público.

Diante dessa realidade, a grande quantidade de horas empregadas no trabalho de cuidados não remunerado significa menos tempo disponível para qualificações, trabalhos remunerados, participação cidadã, relações sociais e cuidado de si, perpetuando desigualdades. Consequências para a vivência das mulheres no mercado de trabalho ficam nítidas nas estatísticas. Um estudo realizado por pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais mostra as penalidades sofridas por mulheres com filhos no mercado de trabalho: as que precisam cuidar de um filho em idade pré-escolar têm 52,2% menos chances de estarem no mercado de trabalho que as mulheres sem filhos. As mulheres com dois ou mais filhos veem suas chances ainda menores, reduzidas em 73,5%. Uma vez no mercado de trabalho, elas vivenciam maiores chances de trabalho precário, de jornada parcial e de trabalho autônomo.

Consequências da sobrecarga pelo trabalho de cuidados impactam a vida das mulheres brasileiras de diferentes maneiras, e o governo federal tem se empenhado em propor ações que contribuam para mudar essa realidade. Ao lado do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o Ministério das Mulheres coordena a elaboração de uma proposta de Política e de Plano Nacional de Cuidados visando garantir o direito ao cuidado a todas as pessoas, promover o trabalho decente às trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado, reconhecer e redistribuir o trabalho de cuidados não remunerado, exercido historicamente pelas mulheres no interior dos domicílios. Reconhecendo a importância da participação social, também foi aberta uma consulta pública sobre o tema até 15 de dezembro de 2023.

O tema da corresponsabilização pelos cuidados deverá compor também as discussões para elaboração do Plano Nacional de Igualdade Salarial e Laboral entre Mulheres e Homens, em construção pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego. Além disso, o Ministério das Mulheres lançou um edital para estruturação de lavanderias públicas, com atividades sobre economia feminista e divisão sexual do trabalho, visando avançar na compreensão de que o trabalho de cuidados deve ser responsabilidade de toda a sociedade.

Diante dos desafios, desejamos que a invisibilidade do trabalho de cuidados seja amplamente debatida na sociedade; e, certamente, ter sido pauta no Enem 2023 contribui para o futuro que buscamos construir. Neste futuro, a importância desse trabalho será reconhecida por toda a população, e a responsabilidade por sua execução será compartilhada por todas e todos.

 


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