Economia

Perspectivas fiscais

Nas democracias, as recomendações técnicas são subordinadas às decisões políticas que têm sua lógica e seus interesses próprios.

Ilustração dinheiro real economia -  (crédito:  Kleber Sales/CB/D.A Press)
Ilustração dinheiro real economia - (crédito: Kleber Sales/CB/D.A Press)
postado em 03/01/2024 06:00

» BENITO SALOMÃO, doutor em economia pelo PPGE-UFU (Universidade Federal de Uberlândia)

A política fiscal brasileira, após a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) pelo Congresso Nacional, tem sido questionada sobre a viabilidade do deficit primário zero. Pelo que se lê pela imprensa, a ala técnica do governo defende que após mais de uma década de desequilíbrios fiscais crônicos e que impuseram um elevado custo social ao país, o deficit primário seja zerado em 2024.

Mas, nas democracias, as recomendações técnicas são subordinadas às decisões políticas que têm sua lógica e seus interesses próprios. Em 27 de outubro, o presidente da República se pronunciou sobre o tema dizendo que não sacrificará programas prioritários do governo em nome do equilíbrio fiscal. Mais do que isso, relativizou dizendo que um deficit de 0,25% ou 0,5% do PIB não "significa nada". Com essa fala, Lula põe em xeque a credibilidade da regra fiscal que o seu governo propôs e aprovou meses atrás.

Como se sabe, o NAF trouxe uma inovação em relação ao antigo regime de metas primárias em curso no país desde 1999, trata-se da possibilidade de a meta primária flutuar entre bandas de 0,25% do PIB. Portanto, pelo texto aprovado, ainda que a meta primária prevista na LOA seja de 0% do PIB, o resultado realizado permite um deficit de 0,25%. Durante os meses em que o NAF estava sendo debatido antes de sua aprovação, alertei em inúmeros artigos sobre o risco de uma regra com esse grau de flexibilidade produzir o incentivo para que o limite inferior do NAF se tornasse uma espécie de meta implícita, sobretudo em um país cuja elite política é ávida por despesas públicas. A fala infeliz do presidente somada a um Congresso ávido por despesas dão pistas nessa direção.

Mas, se o deficit de 0,25% está contemplado no texto da regra, qual é o problema que o resultado primário convirja para isso em 24? Em primeiro lugar, há um custo reputacional para a política fiscal. Se os agentes do setor privado entenderem que o limite inferior é o "alvo implícito" para onde o governo levará a política fiscal, isso será, de alguma forma, absorvido em preços financeiros como o câmbio e os juros futuros. Convém salientar que estes juros futuros compõem, em parte, o custo de rolagem da dívida pública de forma que, quando eles sobem, produzem impactos sobre o deficit nominal —soma do resultado primário mais os gastos financeiros — juros e amortizações — do Tesouro, podendo colocar a política fiscal brasileira em uma trajetória insustentável.

Mas esse não é o único problema. A política fiscal no Brasil não passa por um bom momento. Os dados recentes mostram uma relativa estabilidade de agregados fiscais, como o superávit primário de 1,27% do PIB de 2022 e o da Dívida Bruta de 74% do PIB, relativamente baixos para os padrões da última década, escondem nuances. Destaca-se o fato de que, desde 2021, o PIB brasileiro tem surpreendido positivamente e crescido acima das projeções do mercado e do próprio governo. Tal crescimento tem alguns aspectos cíclicos que produz efeitos multiplicadores sobre a arrecadação, levando à recente melhora nos dados. Mas isso não se sustenta.

Pelo lado do gasto, o governo tem ocupado o supracitado espaço orçamentário aberto por expansões discricionárias das receitas com despesas que tendem a se tornar permanentes no fluxo de caixa do governo. O risco embutido neste padrão de política fiscal que mantém elevada a trajetória dos gastos obrigatórios, é que a arrecadação é endógena, ou seja, flutua a depender de outras variáveis macroeconômicas de forma que esse acréscimo de receitas pode se mostrar temporário a posteriori.

Em resumo, o governo utiliza uma folga temporária de receitas públicas para manter o pagamento de despesas permanentes no Orçamento. Quando o ciclo econômico se reverter — como, aliás, há sinais de esgotamento do padrão de crescimento observado pós-pandemia —, as receitas deverão parar de surpreender positivamente e o cobertor do Orçamento voltará a ficar curto. Seria importante que o governo evitasse esse tipo de cenário aproveitando essa fase expansiva do ciclo econômico para criar as condições de uma melhora fiscal robusta. Isso é, aproveitar o momento para fazer cair a relação dívida/PIB, visando guardar os instrumentos fiscais para fazer amortecimento aos próximos choques que surgirão no futuro. 

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