Educação

Artigo: Coisas de Brasília

Lula resgatou uma coisa de Brasília, adotada aqui entre 1995 e 1998, e a expandiu para todo o Brasil: a ideia de depósito em poupança no nome de alunos do ensino médio para ser resgatado quando eles concluírem seus cursos

»Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

Nosso imaginário vincula Brasília à arquitetura e às artes plásticas: Athos Bulcão, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx. Esses nomes e suas obras são tão marcantes que esquecemos nossas contribuições que são "coisas de Brasília": Clube do Choro, Plebe Rude, Capital Inicial, Legião Urbana. Tendemos a esquecer que experiências sociais e políticas que saíram daqui se espalharam e ajudam a mudar o Brasil.

A mais conhecida coisa de Brasília é a Bolsa Escola, desenhada na UnB em 1986 e implantada de forma pioneira pelo governo do Distrito Federal a partir de 1995. Com o mesmo nome, em 2001, o presidente Fernando Henrique levou o programa para 4 milhões de brasileiros. Em 2003, com o nome de Bolsa Família, o presidente Lula estendeu a todos que precisavam de uma renda mínima para sobreviver. Embora reduzindo o papel educacional — mudança no nome, retirada da gestão pelo MEC e incorporação de outros grupos beneficiados, não mais apenas as mães com filhos na escola —, o programa não perdeu sua origem como coisa de Brasília.

Na semana passada, o presidente Lula resgatou uma coisa de Brasília, adotada aqui entre 1995 e 1998, e a expandiu para todo o Brasil: a ideia de depósito em poupança no nome de alunos do ensino médio para ser resgatado quando eles concluírem seus cursos. Esse programa, aprovado agora graças a um projeto de lei da deputada Tabata Amaral, ajudará a fazer no Brasil a revolução que já deveríamos ter feito, ao garantir todos brasileiros com ensino médio completo. Mais uma vez, a ideia muda sua característica inicial sem perder sua origem em Brasília.

Ao chamar o programa de Pé de Meia, e não de Poupança Escola, passa a ideia de que sua ênfase está mais na oferta da poupança financeira do que na capitalização intelectual do beneficiário ao concluir o ensino médio. O jovem formado para dispor do mapa, que lhe permita enfrentar a vida na busca de sua felicidade, e das ferramentas, para contribuir plenamente na construção de um Brasil melhor. A nova visão merece apoio, mas não indica que a verdadeira poupança está no conhecimento acumulado graças à formação do aluno, não no valor da poupança financeira que ele irá retirar e gastar. A ideia da Poupança Escola era usar a reserva financeira como instrumento de indução à educação; ao mudar o nome, a educação vira instrumento para criar o Pé de Meia. Mesmo assim, haverá um grande impacto positivo e podemos nos orgulhar do Brasil ter tirado proveito de uma coisa de Brasília que já poderia estar em vigor nacionalmente desde 2003.

Da mesma forma, em 1996, foi criado o Programa de Avaliação Seriada (PAS), e a UnB passou a incentivar a dedicação do aluno candidato ao longo dos três anos do ensino médio. O PAS é coisa de Brasília, graças aos reitores Lauro Morhy e João Claudio Todorov e ao governo do DF na época.

Foi em função de mais essa coisa de Brasília que, em 2004, quase 10 anos depois, o Enem passou a ser usado como vestibular. Mas com o PAS, a UnB apoia o ensino médio, enquanto que o Enem trouxe a vantagem de um vestibular comum às universidades. Ao utilizar um só exame ao final do curso, perdeu-se a característica brasiliense de usar a universidade como incentivo ao estudo ao longo dos três anos. Mas continuou coisa de Brasília.

Até mesmo o Congresso o Brasil adotou coisas de Brasília, implantadas graças a projetos de lei de parlamentares do DF, como o piso nacional salarial para professor (Lei 11.738/2008), o acesso universal ao ensino médio (Lei 12.061/2009) e a garantia de vaga no ensino fundamental a partir dos 4 anos (Lei 11.700/2008).

Brasília também pode se orgulhar de ter sido pioneira na implantação do respeito à faixa de pedestre. Esse esforço funciona em Brasília e ainda não em outras cidades graças ao enfoque brasiliense de considerar o funcionamento do trânsito como questão primordialmente de educação, só depois de engenharia. Essa visão da educação como vetor do progresso — eficiência econômica e justiça social — é coisa de Brasília.

Projetos como Saúde em Casa, Bolsa Alfa, Projeto Saber, Mala do Livro, Telematrícula, Cesta Pré-Escola, BRB Trabalho, Temporadas Populares são coisas de Brasília que se espalharam pelo Brasil — às vezes, de forma idêntica, às vezes, com aprimoramento ou deturpação, mas sempre trazendo melhoria para o país, como o Bolsa Escola, transformado em Bolsa Família, e agora o Poupança Escola, mesmo sob a concepção de Pé de Meia.

 

Mais Lidas