Política

Artigo: Alguns pingos nos is sobre a nova política industrial

A nova política industrial vai apoiar três áreas horizontais: exportações, produtividade e inovação, e seis "missões", que são desafios prioritários à soberania e à segurança nacional. Há, contudo, espaço para aprimoramento

É inegável que o Brasil foi penalizado por equívocos nas políticas econômicas entre o final da década de 2000 e meados da década de 2010, gerando um custo fiscal considerável e um difícil aprendizado. Tais equívocos levaram o país a outro erro, o abandono das políticas industriais. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) é um bom termômetro disso. Sua capacidade de ação foi estrangulada, sobretudo por conta da introdução da Taxa de Longo Prazo (TLP), que, desde 2018, é a taxa de juros da maior parte de seus financiamentos.

A TLP é excessivamente elevada: por exemplo, em 2023, foi de 10,5% a.a. em média. Somada aos demais custos, a taxa ao tomador atingiu 15% a.a. na linha Finame BK, uma das mais importantes, acima das taxas de juros de financiamento do investimento nos outros países, e, em diversos casos, acima da rentabilidade do investimento produtivo. A TLP contribuiu diretamente para que os financiamentos do banco à indústria diminuíssem 43,8% em termos reais, nos seus dois primeiros anos de vigência.

Por outro lado, o Custo Brasil, que retira competitividade da indústria ao encarecer os seus produtos, foi avaliado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp em aproximadamente 25%, em média, vis-à-vis nossos principais parceiros comerciais. Esse fato é um dos principais determinantes da desindustrialização brasileira.

Enquanto a política industrial foi abandonada, outras políticas setoriais de fomento foram fortalecidas. Vide o Plano Safra, política perene, com planejamento anual estabelecido em lei e incontestada pelo mercado. Seu orçamento dos últimos 10 anos totaliza mais de R$ 2,8 trilhões a preços atuais, a um custo ao tomador abaixo das taxas de juros do BNDES para a indústria de transformação.

As políticas industriais têm ganhado espaço no cenário internacional. Todas as economias relevantes vêm criando incentivos agressivos para acelerar o desenvolvimento produtivo e tecnológico do setor manufatureiro. O FMI aponta mais de 2,5 mil medidas de política industrial no mundo apenas em 2023, e mais de US$ 7 trilhões de orçamento dessas políticas nos últimos cinco anos.

Na minha experiência empresarial, subscrita por meus pares, financiamentos do BNDES têm, sim, sido importantes geradores de ganhos de produtividade e de aumento do nível tecnológico da indústria. Se a atuação do BNDES não dinamiza o investimento, como afirmam alguns, por que China, Alemanha, Japão, Coreia e França, entre outros, têm bancos de desenvolvimento? Até os Estados Unidos (EUA) estão criando um.

Esse pano de fundo é fundamental para se avaliar de forma pragmática as medidas da nova política industrial brasileira, que, conforme anunciado, contará com R$ 300 bilhões no quadriênio de 2023 a 2026 nas áreas de financiamento, subvenção e equity, sob responsabilidade do BNDES, Finep e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A média anual de recursos da política industrial será 79% menor do que os R$ 364 bilhões do Plano Safra, edição de 2023/4.

Tais medidas de apoio à indústria não terão custo fiscal nem elevarão o endividamento do Tesouro. Dos R$ 300 bilhões, 73% são crédito com juros de mercado (TLP). Os 26% de subvenções e de crédito com custos competitivos internacionalmente (para financiar a inovação tecnológica) usam recursos de fundos constitucionais com destinação específica, sem impacto no orçamento.

A nova política industrial vai apoiar três áreas horizontais: exportações, produtividade e inovação, e seis "missões", que são desafios prioritários à soberania e à segurança nacional — dentre elas, digitalização e descarbonização. Ou seja, são linhas de ação comuns a todas as atividades industriais e que estão em destaque nas políticas industriais de outros países.

Há, contudo, espaço para aprimoramento da política industrial, com as seguintes recomendações: perenizar as medidas, incluindo previsão em lei; elevar recursos para financiamento, de forma a atingir patamares proporcionais aos disponibilizados em outras iniciativas de política setorial; rever o critério de determinação da TLP ou substituí-la, definindo-se uma taxa competitiva para o financiamento do investimento; conferir previsibilidade e segurança jurídica aos instrumentos; monitorar e avaliar a aplicação das medidas, com transparência, e realizar as correções necessárias. Esperamos que essas recomendações, no todo ou pelo menos em parte, sejam aprovadas pelo Legislativo.

*Antonio Carlos Teixeira Álvares, Diretor titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia da FIESP e professor da FGV - Escola de Administração de Empresas de São Paulo

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