ARTIGO

O risco de desperdiçar oportunidade histórica de justiça tributária

Sem pressão popular, há o risco de que a votação em plenário do PL do Imposto Zero não seja priorizada; as emendas desmontem a tributação sobre os mais ricos; e a narrativa do privilégio fiscal perca espaço no debate público

LUCAS LOUBACKAtivista político e gestor de advocacy no NOSSAS

O país vive um momento decisivo em sua longa trajetória por justiça tributária. Pela primeira vez em décadas, há a possibilidade concreta de aliviar a carga sobre a classe trabalhadora, fazendo com que os mais ricos passem a pagar a sua parte. Não é exagero dizer que se trata de um dos maiores avanços na agenda tributária do país, com potencial de mudar a vida de milhões de pessoas.

Mas essa conquista não está garantida. O Projeto de Lei 1.087/2025, conhecido como PL do Imposto Zero, foi aprovado pela comissão especial no último dia antes do recesso parlamentar, em julho, preservando seu núcleo mais transformador: isenção total do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, redução para quem recebe até R$ 7 mil e tributação de 10% sobre lucros e dividendos de quem ganha mais de R$ 50 mil mensais. A relatoria do deputado Arthur Lira ampliou a faixa de isenção para R$ 7,3 mil, mantendo compensações para estados e municípios.

Havia uma possibilidade de que o projeto fosse direto para o plenário naquela mesma noite, mas a votação não entrou em pauta, já que o presidente priorizou o PL da Devastação. Com a volta do recesso parlamentar, a pauta foi atropelada por outros temas no Congresso, sobretudo pelas tentativas de obstrução e pautas-bomba puxadas pelo bolsonarismo, que articulou um motim e paralisou o parlamento e o avanço legislativo do país. O risco agora é claro: sem pressão popular e sem debate público ativo, um dos principais projetos de combate à desigualdade pode cair no esquecimento ou ser desfigurado por mudanças que atendam ao lobby de quem mais lucra com o modelo atual.

O Brasil está entre os poucos países do mundo que não tributam lucros e dividendos de pessoas físicas, isenção em vigor desde 1995. Segundo estudos do Ipea, cerca de R$ 400 bilhões por ano deixam de ser arrecadados dessa forma. Ao mesmo tempo, nosso sistema pune quem vive com salário baixo: os 10% mais pobres comprometem 26% de sua renda com tributos indiretos, enquanto os 10% mais ricos comprometem apenas 10%. Essa distorção não é um acidente: é fruto de décadas de privilégios tributários e ausência de coragem política para enfrentá-los. O PL 1.087 rompe com essa lógica e começa a corrigir uma injustiça histórica.

O avanço até aqui não aconteceu por acaso. A pauta ganhou força graças à combinação entre vontade política do Executivo e pressão da sociedade civil. A campanha PL do Imposto Zero, que lideramos junto com outras organizações em parceria, como Inesc, atua em duas frentes: mobilização digital de massa, com milhares de cidadãos pressionando deputados por meio da plataforma www.pldoimpostozero.com.br, e incidência direta no Congresso para blindar o projeto de retrocessos. O movimento negro e o feminista têm tido papel forte nessa mobilização, denunciando como o sistema atual reforça desigualdades de raça e gênero: mulheres negras, por exemplo, são as mais penalizadas pelo peso dos impostos sobre o consumo.

As próximas semanas serão decisivas. Sem pressão popular, há o risco de que a votação em plenário não seja priorizada; as emendas desmontem a tributação sobre os mais ricos; e a narrativa do privilégio fiscal perca espaço no debate público. Este é o momento de manter a mobilização viva, de reforçar que justiça tributária não é assunto só de especialistas, é sobre o direito de milhões de brasileiros a um sistema mais justo, democrático e inclusivo.

O PL do Imposto Zero é uma chance histórica de virar a página da desigualdade fiscal no Brasil. Se o Congresso aprová-lo como está, daremos um passo para que os mais ricos paguem mais e quem ganha menos finalmente respire aliviado. Mas isso só vai acontecer se a sociedade fizer barulho e cobrar cada parlamentar.

 

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