Artigo

Insubordinada sou eu!

A ironia dos fatos é que o artigo listava uma série de situações em que algumas pessoas se dizem aliadas na causa antirracista, mas não agem contra o racismo ou, pior ainda, dizem não entender ou não saber o que fazer, como se o racismo tivesse nascido ontem na nossa sociedade

CINTIA COLARES, jornalista profissional, poeta, ativista em letramento racial

Esses tempos, recebi um comunicado de exclusão de um clube de leitura de mulheres ditas insubordinadas e feministas. Curiosamente, a expulsão ocorreu no trimestre de leituras de autoras negras, leituras essas que deveriam servir para fomentar debates racializados. Mulheres ditas feministas e insubordinadas acionaram uma advogada para cima da integrante do grupo que participava de uma bolsa integral, concedida por ser uma mulher negra, a única retinta, periférica e mãe solo naquele grupo.

<p><strong><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaB1U9a002T64ex1Sy2w">Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais not&iacute;cias do dia no seu celular</a></strong></p>

Motivo alegado no comunicado: o fato de eu ter publicado um artigo antirracista no site de notícias Brasil de Fato. A mediadora supôs que eu estaria falando sobre o que acontecia no grupo, o que entrega que ela tinha ciência de que vinham acontecendo práticas racistas no grupo. Mulheres ditas feministas e insubordinadas acionaram uma advogada porque, na visão de uma delas, era inaceitável uma mulher negra se insubordinar e escrever um artigo expondo as práticas racistas recorrentes naquele espaço.

A ironia dos fatos é que o artigo listava uma série de situações em que algumas pessoas se dizem aliadas na causa antirracista, mas não agem contra o racismo ou, pior ainda, dizem não entender ou não saber o que fazer, como se o racismo tivesse nascido ontem na nossa sociedade. A ironia maior ainda foi elas acharem que, se falei sobre racismo, somente poderia ser sobre elas. Rés confessas e pretensiosas. Infelizmente, elas não são as únicas a praticarem racismo numa sociedade estruturalmente racista.

Essas mulheres majoritariamente brancas não conseguiram lidar com a insubordinação de uma única mulher preta periférica no grupo, uma única voz em um grupo de mais de 40 mulheres brancas. Então, elas passaram a dizer em coro frases de revirar o estômago de pessoas negras: "Você está imaginando coisas: Racismo não existe aqui."; "Você é quem está nos ofendendo e sendo agressiva e ingrata, afinal recebemos você aqui…"; "Minha avó era negra."; "Tive uma babá negra que considero quase da família."

O comunicado de exclusão foi encaminhado a mim pela mediadora sem qualquer diálogo. Logo após o envio do documento, veio a remoção dos grupos de WhatsApp do clube de leitura. Na sequência, veio o bloqueio nas redes para que eu não pudesse argumentar publicamente sobre esse descarte da única mulher negra periférica no grupo.     

A medida, explicitamente, visava a um efeito intimidador: denuncie as práticas racistas que vivenciou nesse grupo de mulheres privilegiadas e nos voltamos contra você! A mediadora de um grupo feminista tentou intimidar outra mulher enviando um comunicado jurídico para exclusão de um grupo de leitura? Sim, foi isso mesmo que você leu!

Ué, mas e a sororidade? Uma não solta a mão da outra? Enquanto todas não forem livres não seremos livres? Ah, não, isso é para e entre mulheres. Mulheres, nesse contexto, elas consideram somente as mulheres brancas, privilegiadas que provocaram ou se omitiram frente a essa violência contra uma mulher negra. Algumas ainda saíram em defesa dessa repugnante e escancarada tentativa de silenciamento de uma mulher negra, atitude previsível no bom e velho estilo pacto da branquitude.

Motivos para excluir a mulher negra que falou sobre racismo? Motivos para tentar intimidar a mulher negra que fala sobre práticas racistas no cotidiano, inclusive, de pessoas que se dizem aliadas e ostentam orgulhosas em suas bios nas redes sociais a autodenominação de antirracistas, mas, se uma mulher negra trouxer episódios de racismo para o debate, dizem não saber o que espera que elas digam ou façam? Motivos para gastar com a contratação de uma assessoria jurídica para excluir uma mulher negra de um grupo de WhatsApp? 

A mediadora confiou no pacto da branquitude para sustentar a exclusão de uma mulher negra por opinar sobre racismo. Porém,  a ação dela surtiu, justamente, o efeito contrário, pois aqui estou escrevendo este artigo, além de outros que publiquei denunciando a tentativa de silenciamento. Isso porque o que elas carregam apenas no nome do grupo eu exerço em atitude cotidianamente: insubordinada sou eu!

Quando olho para esse episódio, eu me pergunto o que Sojourner Truth já percebia e questionava há muito tempo e acrescento: Para a branquitude, incluindo algumas mulheres brancas feministas, eu não sou uma mulher? Você, eu, nós sabemos a resposta.

https://www.correiobraziliense.com.br/webstories/2025/04/7121170-canal-do-correio-braziliense-no-whatsapp.html 

Mais Lidas