MARCOS FERRARI, Presidente-executivo da Conexis Brasil Digital
O Congresso Nacional tem diante de si uma responsabilidade histórica: definir as bases da regulamentação da inteligência artificial no Brasil. O Projeto de Lei nº 2.338/2023, que estabelece normas para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de IA no Brasil, aprovado pelo Senado Federal e atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, precisa equilibrar dois objetivos igualmente relevantes para o país: proteger os direitos fundamentais em benefício da pessoa humana, sem inibir a inovação e o desenvolvimento tecnológico.
Nesse contexto, um ponto crucial precisa ser levado em consideração: a classificação de "alto risco" para os sistemas de IA empregados na gestão e no funcionamento dos serviços de telecomunicações. Compreendemos o objetivo do legislador de proteger as infraestruturas críticas, aquelas consideradas essenciais para o dia a dia da população. Por outro lado, as redes de telecomunicações já operam com sistemas de IA em aplicações que fortalecem a eficiência e a resiliência dos serviços, como gerenciamento autônomo de tráfego, alocação dinâmica de recursos, manutenção preditiva, otimização do consumo de energia e proteção cibernética. Esses usos aumentam a segurança, reduzem falhas e garantem a disponibilidade dos serviços de telecomunicações ao cidadão.
A classificação dos sistemas de IA em telecomunicações como "alto risco" tem dois efeitos nocivos. Primeiro, cria um ambiente regulatório desnecessariamente oneroso, impondo barreiras a soluções que hoje funcionam com eficácia e segurança. Segundo, reduz a eficiência das autoridades reguladoras na fiscalização de outras aplicações de IA que poderiam afetar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.
É preciso compreender que a IA aplicada às telecomunicações não toma decisões baseada em dados sensíveis, não define acesso a políticas sociais nem afeta a liberdade de expressão. Ela atua, essencialmente, em dados operacionais das redes, otimizando processos técnicos internos. Nessa perspectiva, enquadrar como "alto risco" o uso da IA em telecomunicações seria um equívoco conceitual e regulatório.
As sugestões apresentadas pelo setor de telecomunicações ao projeto de lei — lideradas pela Conexis Brasil Digital em audiência pública recente na Comissão Especial sobre Inteligência Artificial da Câmara dos Deputados que analisa o PL 2.338/2023 — visam garantir uma regulação moderna, eficaz e proporcional aos riscos reais. O setor defende que as regras estabelecidas pelo projeto de lei reconheçam o contexto de uso específico da IA; que a avaliação de impacto algorítmico seja feita de forma singular; que a comunicação de incidentes fique restrita ao escopo da lei; e que sejam excluídos do alcance da lei sistemas, aplicações ou usos de IA que operem exclusivamente com base no tratamento de dados operacionais do agente de inteligência artificial.
O Brasil tem uma oportunidade única para estabelecer um marco regulatório que promova confiança e, ao mesmo tempo, estimule investimentos e inovação. Para isso, é essencial que não se crie um ambiente de insegurança jurídica que, em vez de proteger, acabe por atrasar o desenvolvimento tecnológico e a competitividade do país. Ao adotar uma abordagem equilibrada, o Brasil envia ao mundo a mensagem de que é possível conciliar inovação com responsabilidade, criando as bases para um ecossistema digital sólido e competitivo.
O Brasil precisa turbinar seus motores para garantir protagonismo em aplicações inovadoras de IA e não colocar um freio para nos suprimir dessa transformação na eficiência produtiva. Nesse sentido, excluir os sistemas de IA aplicados às telecomunicações da classificação de "alto risco" é uma decisão que equilibra responsabilidade e visão de futuro, necessária para a superação dos enormes desafios que enfrentaremos para garantir uma posição de destaque do país nesta nova fronteira do conhecimento.
