» RODRIGO ROLLEMBERG, Deputado federal e ex-secretário de Economia Verde do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC)
A Amazônia é a maior riqueza estratégica do Brasil e também o maior desafio. Enquanto abriga a mais vasta biodiversidade do planeta e influencia o regime de chuvas de todo o país, enfrenta desigualdade social, baixa diversificação econômica e a ameaça persistente de desmatamento e garimpo ilegal. Para o Brasil, o caminho não é escolher entre floresta e desenvolvimento, mas fazer da floresta o motor de uma nova economia do conhecimento.
A história comprova: quando o Estado brasileiro apostou na ciência, os resultados foram extraordinários. A Embrapa transformou o Cerrado em potência agrícola. A Embraer colocou o país no mapa da aviação mundial. A Petrobras revolucionou a engenharia em águas profundas. Todas nasceram de políticas públicas que combinaram visão estratégica, investimento e formação de talentos.
Inspirado nesses exemplos, proponho um robusto e regular investimento em ciência, tecnologia e inovação. Com isso, podemos transformar a maior biodiversidade do planeta na maior plataforma de inovação biológica do século 21, utilizando biotecnologia, nanotecnologia, ciências ômicas e inteligência artificial associados aos conhecimentos tradicionais das populações locais para promover qualidade de vida, gerar riqueza, restaurar ecossistemas e posicionar o Brasil na vanguarda da economia verde.
Os recursos podem vir de parte dos 5% que as empresas de informática incentivadas do Polo Industrial de Manaus são obrigadas a investir em pesquisa e desenvolvimento, e outra fonte deve vir dos royalties da exploração de petróleo, garantindo que a energia fóssil do presente financie a economia limpa do futuro. Essa estratégia permitirá transformar os dois setores responsáveis pelas maiores emissões de gases de efeito estufa do país: o desmatamento e a agricultura.
Substituiremos emissões por remoções de gases de efeito estufa por meio de grandes programas de bioeconomia, restauração florestal e reflorestamento produtivo baseados na biodiversidade regional, integrando produtos da floresta à alimentação escolar, à indústria e à exportação. A agricultura pode ser revolucionada com a substituição de insumos químicos sintéticos por bioinsumos e remineralizadores (pós de rocha), reduzindo a dependência de fertilizantes importados e as emissões associadas.
O Brasil já demonstrou essa capacidade com a descoberta e desenvolvimento de bactérias fixadoras de nitrogênio no solo, feitas pelas pesquisadoras Johanna Döbereiner e Mariângela Hungria e suas equipes, que permite ao Brasil economizar bilhões de dólares ao ano com a substituição de insumos químicos importados, além de reduzir as emissões de gases potentes para o aquecimento global como o óxido nitroso.
Esse propósito deve se estender para outros biomas: Cerrado, Pantanal, Caatinga, Pampa e o bioma marítimo. Juntos, esses biomas podem ancorar uma economia sustentável e inovadora. Chamo a atenção para o Cerrado, berço das águas de várias bacias hidrográficas, detentor de imensa biodiversidade, que sofre grande pressão de expansão da fronteira agrícola e que, ao contrário de outros biomas, ainda não tem um instituto de pesquisa voltado aos seus múltiplos desafios.
Como ensinou a experiência da Embrapa, o principal ativo será gente qualificada. Esse pacto deve ampliar fortemente o financiamento de programas de pós-graduação e intercâmbio internacional, atrair cientistas brasileiros e estrangeiros e criar centros de excelência em cidades amazônicas.
Essa proposta encontra sintonia com o Programa do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que, no texto da autorreforma, aprovado em 2022, propõe a criação do programa Amazônia 4.0 e defende o fortalecimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, com forte aporte de recursos, como condição essencial para o desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil. O Amazônia 4.0 é a materialização prática dessa visão: unir ciência e sustentabilidade em um mesmo projeto de futuro e soberania.
Avançamos bastante nos últimos anos com o descontingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Mas precisamos ir muito além. Garantir recursos abundantes para instituições como Embrapa, Inpa, Museu Goeldi, CBA, Fiocruz, Evandro Chagas, universidades e institutos federais é assegurar um Brasil próspero, justo e sustentável para as próximas gerações.
Aprendi com Miguel Arraes que o grande desafio e a grande oportunidade para o Brasil é aliar o conhecimento produzido nas universidades e nos institutos de pesquisa ao conhecimento produzido pelas comunidades e populações tradicionais ao longo de sua existência.
O futuro bate à porta! Vamos abri-la!
