ARTIGO

Desafios e resiliência na resposta global à Aids

2025 foi um ano de profundas interrupções e retrocessos para a resposta global à Aids. O Brasil, por sua vez, vem mostrando que essa resposta só funciona se for baseada em direitos humanos

» ANDREA BOCCARDI VIDARTE, Diretora e representante do Unaids no Brasil

Ao final de 2024, o mundo estava mais perto do que em qualquer momento nas últimas três décadas de acabar com a Aids: 31,6 milhões de 40,8 milhões de pessoas vivendo com HIV estavam em tratamento, ajudando a impulsionar uma queda de 40% em novas infecções e de 56% em mortes relacionadas à Aids desde 2010.

Após décadas de progresso, 2025 foi um ano de profundas interrupções e retrocessos para a resposta global à Aids. Os ganhos conquistados com muito esforço — alcançados através da ciência, da solidariedade, da liderança das comunidades e do compromisso político — foram abalados por cortes no financiamento, desigualdades crescentes e novos obstáculos aos serviços essenciais em todo o mundo. O alerta se intensificou: se os países não ampliarem os serviços de HIV, acontecerão 3,3 milhões de novas infecções adicionais por HIV até 2030.

No entanto, no meio desses desafios, há também uma história de resiliência, resistência, oportunidade e compromisso político. 

Há 40 anos, o Brasil vem mostrando ao mundo que a resposta à Aids só funciona se for baseada em direitos humanos e colocando as pessoas no centro. A valorização dos movimentos da sociedade civil foi fundamental para que hoje vejamos um Sistema Único de Saúde (SUS) que disponibiliza às pessoas as diferentes estratégias de prevenção ao HIV, além de diagnóstico, tratamento e serviços integrados de saúde a nível de atenção primária.

Para além das políticas de saúde, o Brasil reconhece que as desigualdades limitam o acesso das pessoas aos seus direitos. Os números mostram que a Aids não é uma questão apenas de saúde, mas também de desigualdades que precisam ser superadas: um estudo da Fiocruz publicado neste ano demonstrou que a incidência de HIV entre beneficiárias do Bolsa Família caiu 47%, enquanto a mortalidade por doenças relacionadas à Aids diminuiu 55%. Por isso, é urgente promover políticas de assistência e proteção social para reduzir as desigualdades.

O Brasil mostra em números esse compromisso: em 2024, o país registrou 9.157 mil mortes por doenças relacionadas à Aids, o menor número de mortes em 32 anos. 

Porém, em todo o mundo, a resposta à Aids sofreu grandes choques. Reduções abruptas no financiamento internacional interromperam programas de prevenção, fecharam clínicas comunitárias e sobrecarregaram os serviços de tratamento em todo o mundo.

Mais importante ainda, temos novas ferramentas que nos dão esperança para o futuro. Os medicamentos injetáveis de longa duração — uma inovação que pode proteger as pessoas por meses — oferecem a chance de transformar a prevenção do HIV, especialmente para mulheres jovens, adolescentes, populações-chave e comunidades onde é difícil tomar comprimidos diariamente.

Lenacapavir e cabotegravir, os medicamentos injetáveis de longa duração, podem ser utilizados para tratamento a pessoas resistentes ao tratamento oral e tiveram bons resultados em estudos também para prevenção. Os estudos clínicos demonstraram que o lenacapavir teve eficácia de 100% para prevenção em mulheres cis e 96% para pessoas trans, homens cis gays e homens cis que fazem sexo com homens.

Essa tecnologia pode mudar o rumo das novas infecções. Os medicamentos injetáveis de longa duração poderiam evitar 50 mil infecções em três anos se fornecidos a 2 milhões de pessoas em alto risco. Mas temos uma barreira que amplia as desigualdades: o alto custo do medicamento — o valor médio é de R$ 4 mil por dose, o equivalente a 2,5 salários mínimos no Brasil. Além disso, maioria dos países da América Latina, incluindo Brasil, foi excluída do acordo de licenciamento voluntário do lenacapavir.

Temos em nossas mãos a possibilidade de recalcular a rota para determinar quais serão as prioridades para a resposta global à Aids. Nesta semana, o Brasil sediará a 57ª Reunião da Junta de Coordenação de Programa do Unaids, que vai aprovar a próxima Estratégia Global para a Aids 2026-2031. Esse documento guiará as prioridades dos países para a resposta à Aids, a disponibilização de novas tecnologias de longa duração e como os governos podem estabelecer respostas multissetoriais à Aids que não sejam baseadas apenas em ferramentas biomédicas, mas também em educação, alimentação, direitos e moradia.

Não podemos nos dar ao luxo de recuar agora. Ao investir nas comunidades, adotar novas tecnologias e manter a solidariedade global, podemos superar as barreiras e acelerar o progresso que o mundo tem trabalhado tão arduamente para alcançar. 

Vamos nos unir para acabar com todas as formas de preconceito e discriminação.

 

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