Mercado ilícito de cigarros sofre impacto com a alta do dólar

Pela primeira vez em seis anos, cigarro ilegal perde espaço na pandemia e atinge 49% do mercado. Para especialistas ouvidos pelo CB, queda pontual reabre debate sobre eficácia de medidas econômicas com foco no combate ao contrabando e evasão fiscal

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postado em 07/07/2021 11:40
 (crédito: VICE/FNCP)
(crédito: VICE/FNCP)

Em 2020, ano marcado pelo enfrentamento da pandemia de covid-19, o mercado ilegal de cigarros apresentou uma queda expressiva de 8 pontos percentuais após 6 anos de crescimento contínuo do cigarro do crime. É oque revela a nova pesquisa do Ibope Inteligência/Ipec, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). A pesquisa ainda registra a migração do consumidor de cigarros ilícitos para marcas legalizadas em decorrência do aumento do preço do produto ilegal. Os mesmos 8 pontos percentuais perdidos no ilícito aumentaram na fatia ocupada pela indústria legal, que respondia por 43% do mercado em 2019 e chegou a 51% em 2020.

Segundo Edson Vismona, presidente do ETCO, entre os fatores que contribuíram para essa alteração atípica no mercado de cigarros estão, especialmente, a alta do dólar e as medidas de contenção adotadas para o combate da pandemia do novo coronavírus, como o fechamento parcial das fronteiras do país e dos comércios formais e informais. “O abalo causado pela pandemia impactou a economia de modo geral. Este conjunto de fatores, somado às apreensões recordes nas fronteiras e estradas, inibiu a ilegalidade, levando a esse cenário interessante de redução, que, infelizmente, é pontual”, afirma Vismona.

Pery Shikida, economista e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), concorda. Segundo ele, a oscilação nos dados apresentados pela pesquisa é pontual e decorrente do cenário de pandemia.“Qualquer outra interpretação seria equivocada”, diz.

Com a cotação da moeda norte-americana ultrapassando a marca de R$ 5, o custo médio do cigarro do crime passou de R$ 3,44, em 2019, para R$ 4,44,em 2020, aproximando, assim, o produto do crime do cigarro legal— produzido nacionalmente, sobas normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

(foto: Correio Braziliense )

MENOS DINHEIRO PARA O CRIME E MAIS PARA OS COFRES PÚBLICOS

A diminuição da participação do cigarro ilícito e consequente migração do consumidor para o mercado legal levou o país a aumentar a arrecadação tributária sobre o setor do tabaco em R$1,2 bilhão, de um ano para o outro, fechando o ano de 2020 com R$ 13,5 bilhões arrecadados. “Isso mostra que se mexermos nas variáveis econômicas, de modo a atacar de frente o produto ilegal, o mercado legal nacional tem toda a capacidade de assumir essa parcela, gerando emprego e arrecadação, sem resultar em aumento de consumo”,aponta Vismona.

A fala é confirmada por outro estudo, da Oxford Economics, que analisou os dados do mercado ilegal em 2019, quando 63,4 bilhões de cigarros ilícitos foram consumidos. De acordo com o estudo,caso os cigarros ilegais em circulação no país fossem substituídos por produtos legítimos, produzidos nacionalmente, o Brasil poderia gerar cerca de 173 mil novos empregos, além de uma contribuição adicional de R$ 6 bilhões ao PIB. A atividade extra também geraria R$ 1,3 bilhões em receitas fiscais adicionais (receitas fiscais associadas ao emprego e à atividade sustentada).

Mas o que se vê, a despeito da redução pontual, é que o índice da ilegalidade continua alto – em 2020, o crime organizado movimentou apenas com o cigarro ilegal cerca de R$ 8 bilhões e causou a sonegação de R$ 10,4 bilhões que, se arrecadados, poderiam construir, por exemplo, 94 mil unidades de casas populares, ou 18 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou ainda 58 mil leitos de UTIs para o tratamento de covid-19.

A participação do mercado ilegal no último ano respondeu por quase metade dos produtos consumidos no país: 49% de todos os cigarros. Destes, segundo o Ibope/Ipec, 38% foram contrabandeados, principalmente do Paraguai, e 11% produzidos em território brasileiro por fabricantes classificados como devedores contumazes — que estruturam seus negócios para não pagarem tributos e, com isso, conseguem praticar preços abaixo do mínimo definido por lei, de R$ 5. Com essa estratégia, nos últimos cinco anos, estas empresas irregulares cresceram no mercado nacional, saltando de 3% em 2015 para 11% no último ano.

Ao todo, o volume de cigarros ilegais em circulação no Brasil ultrapassa 53,9 bilhões. Mesmo com as restrições impostas pela pandemia, ainda é no comércio formal que o consumidor tem o seu principal canal de compra:89% dos cigarros ilícitos são comprados em bares, mini mercados e padarias.

A pesquisa Ibope/Ipec é realizada desde 2014, tem abrangência nacional e, nesta edição,foi a campo entre outubro de 2020 e janeiro de 2021. Foram realizadas entrevistas presenciais com 9 mil fumantes com idades de 18 a 64 anos, residentes em municípios com 20 mil habitantes ou mais.

(foto: Correio Braziliense)
(foto: Correio Braziliense)

Combate ao contrabando sob o ponto de vista econômico

“Tivemos apreensões recordes e policiamento ostensivo nesses últimos anos. Porém, apesar de imprescindíveis, apenas isso não nos auxiliará nessa guerra contra a entrada de produtos ilegais no país com o Paraguai ao Sul e, agora, com a Coreia pelo Norte e Nordeste. Isso porque a operação vale a pena para o contrabandista, pois é de baixo custo e alto rendimento”. A fala do economista e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Pery Shikida, explica porque a discussão sobre o combate ao contrabando de cigarros precisa passar pelo ponto de vista econômico, já que a repressão ao crime não consegue dar conta de toda a demanda, e as sanções e penas no Brasil para o contrabandista de cigarros são baixas e de interpretações dúbias, variando em sua maioria para prestação de serviço comunitário a três anos de reclusão. “O grande ponto é a questão tributária, que deve ser colocada em discussão. No Brasil, os impostos sobre os cigarros variam de 70% a 90%, dependendo do Estado. Já no Paraguai, o produto é taxado em apenas 18%”, explica Shikida, ao ressaltar a lucratividade da venda de cigarro ilícito no Brasil.

Edson Vismona, presidente da ETCO, reforça o alerta para adoção de medidas econômicas com foco no combate ao contrabando após a pandemia. “É necessário atacar tanto a oferta quanto a demanda do produto ilegal. Para isso, é fundamental a discussão sobre tributação no Brasil, sendo inadmissível qualquer ideia que resvale sobre aumento em uma indústria que é a mais afetada pela ilegalidade. Elevar o imposto significa entregar o mercado brasileiro para o contrabando,aumentando exponencialmente o lucro dos criminosos”.

O cigarro ilegal continua no topo das apreensões da Receita Federal. Em 2020, representou 66%de todo volume apreendido, o equivalente a 4,5 bilhões de unidades. A representatividade de mercado das marcas ilegais em circulação no Brasil, principalmente paraguaias, ainda é alta. Das dez marcas de cigarro mais vendidas no Brasil, quatro são ilícitas. Juntas,elas têm 25% de participação. Em segundo lugar do ranking está a paraguaia Eight, que domina 12%de todas as vendas de cigarros.

Escrito por: Ana Helena Melo

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