O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez duras críticas ao governo federal no combate ao coronavírus, durante entrevista ao jornalista Marco Antônio Villa. Dentre elas, destacou que foi um erro o presidente da República brigar com prefeitos e governadores contra o isolamento social, e que Jair Bolsonaro não deveria fazer propaganda da hidroxicloroquina, que “não é papel de político, mas de médico”. Na entrevista concedida nesta sexta-feira (7/8) o parlamentar também falou de parlamentarismo, Operação Lava Jato e sobre os pedidos de impeachment contra Bolsonaro, além de, mais uma vez, defender o teto de gastos.
Ao falar sobre o combate ao coronavírus, Maia destacou, ainda, que os países que fizeram o isolamento social, e os que não fizeram, tiveram prejuízos econômicos próximos. Mas o número de mortes foi bem menor nos que tomaram a medida de isolar a população. ““Há um erro no debate, muito claro, que é transformar a discussão do isolamento em discussão prioritária do governo federal com estados e municípios. A gente sabe que todos os países onde teve a pandemia com mais força, mesmo os que não fizeram o isolamento, a queda econômica é a mesma. Suécia e Dinamarca, a queda foi 25% e 29%. Só que a taxa de morte na suécia foi 500 por 1 milhão de habitantes, e na dinamarca, 100 por 1 milhão”, comparou.
“Então, estamos discutindo uma questão que está provado que quem fez isolamento teve uma perda de vida menor. Eu entendo até divergências sobre melhor caminho. Mas a economia vai cair. Sem isolamento e com muitas mortes, as pessoas não vão ao shopping e escolas. A queda econômica está dada. Então, temos que ter o melhor caminho de administrar a crise do vírus, o que não teve. As testagens não foram no volume que a gente precisava. Tivemos problemas. O grande erro foi a divergência em um problema que não ia resolver a recessão, que é o isolamento”, criticou.
Mais destacou, ainda, que Bolsonari gerou conflitos desnecessários ao brigar com prefeitos e governadores, que acabaram por sofrer pressões de pequenos empresários, que limitou a extensão do isolamento. Por outro lado, elogiou as decisões econômicas. “Acho que a grande questão é que durante a pandemia, no início, algumas decisões estimuladas pelo próprio parlamento, como a PEC da Guerra, para ter um marco fiscal para ter o gasto necessário, a decisão logo no início do auxílio emergencial, foi correta. Garantiu renda efetiva para milhões de brasileiros. Depois, a MP do emprego foi bem feita. Correta. E as MPs do crédito do governo, que estão demorando a chegar na ponta. O maior problema é a perda de vidas. Mas na parte econômica o nosso grande drama é que todas as decisões tomadas, ou não foram efetivas, ou demoraram para serem implementadas na questão do crédito”, ponderou.
Maia destacou que a maior dificuldade em atender os setores restantes é a baixa capacidade de gastos do governo. Destacou que será difícil retomar o turismo, oq ue trará peso para comerciantes. “Muitos comerciantes vão ter bares e restaurantes com problemas graves. Mas a parte da administração da crise sanitária é que foi nosso maior problema. Com esses conflitos, com a troca de ministros da saúde por três vezes, tentando operacionalizar pressionar por uma linha. Teve a MP 909 que tinha rel com um saldo do BC que seria transferido para tesouro, e o governo pediu para colocar um artigo dizendo que o dinheiro só ia para estados e municípios que acabassem com isolamento. Esse tipo de administração atrapalhou”, avaliou.
“Mas como os prefeitos e governo tiveram poder de tomar decisões, na maioria dos casos, tirando o os casos de colapso do sistema de saúde, a administração foi feita com alguma qualidade. Ninguém imaginava que a pandemia ia se prolongar por tantos meses, e o isolamento, para algumas pessoas, perde as condições. Muita gente mora em casa pequenas, apartamentos pequenos, sem estrutura. Isso dá angústia. É uma coisa que a gente tem que administrar. Agora tem pressão para voltar as aulas, pressão para não voltar. Para votar mais rápido o comércio. Algumas regiões tem condições de avançar. Em outras, o vírus continua atacando com força”, disse Maia.
Manifestações antidemocráticas
Maia também falou das manifestações antidemocráticas, da resposta do STF e do Congresso, e da reportagem da revista Piauí, que relatou a decisão do presidente da República de destituir os ministros do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro teria sido demovido da decisão pelo Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Maia descreveu o período, que terminou com um Bolsonaro menos combativo e, posteriormente, o presidente se isolou por conta da suposta contaminação por coronavírus, como um “momento muito difícil”.
Para o parlamentar, os eleitores mais radicais do presidente acreditavam que, com a vitória nas eleições de 2018, teriam “levado tudo”. “Esses movimentos que vieram a público depois da vitória do Bolsonaro, tentaram impor uma ordem ao parlamento e STF. A tese que o governo ganhou e levou tudo. Na democracia, não é assim. Outras instituições existem para garantir um equilíbrio. Uma representação da sociedade. O único fato que a gente sabe é que quem é minoria hoje será governo amanhã e vice-versa. Então é bom a maioria respeitar as minorias para que amanhã não reclamem de uma ação mais dura dos que assumirem o poder e o controle da maioria”, afirmou
Para Maia, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o PL das fake news, debatido na Câmara, e o inquérito das Fake News do STF deram a resposta aos radicais. O presidente relatou ameaças diretas que ocorreram contra a residência oficial. “O PL de fake news precisa ser estudado com muito cuidado para não entrar no campo das liberdades. Isso não pode ocorrer de jeito nenhum, e o inquérito no Supremo, foram reações fortes sinalizando que tudo tem limite”, avisou.
“A liberdade de expressão também. Não pode ser como fizeram, ameaças de morte nas redes sociais, carros perto da residência passando, xingando, ameaçando entrar com carro e com tudo. Não foi dimples. Mas não dá pra aceitar essa distorção que vinham fazendo. Entram com exército nas redes. Calam outro campo que ficam com medo das agressões, usam robôs, essas estruturas”, acrescentou.
O parlamentar destacou que o PL das Fake News deve ser aprovado nas próximas semanas, que mostrará “que as liberdades são fundamentais, mas tem que ter regras para financiamento, transparência para quem usa as redes sociais”. “Não tem porque ter anonimato. E temos que pensar na responsabilização das plataformas, que são meio de comunicação. Não tem responsabilidade pelo conteúdo, mas alguma responsabilidade pelos usos da rede social, é claro. (As redes) têm muito mais condições de entender quando robôs estão operando, disseminando informações de forma distorcida”, destacou.
“O próprio ministro Fachin que deu um primeiro voto no inquérito das fake news disse que limites precisam existir. Temos que respeitar a constituição e o devido processo legal, para que todos os cidadãos tenham os mesmos direitos e os que usem as redes para cometer crimes possam ser responsabilizados”, destacou.
Sobre a decisão não tomada do presidente de intervir com as Forças armadas no Supremo, Maia destacou que é uma informação baseada em fontes que não quiseram aparecer, por isso, é preciso ter cuidado. Mas destacou que tanto STF quanto Congresso não veem as Forças Armadas como papel moderador entre os poderes e que, dificilmente, os militares engressariam em operação semelhante. “Ele (Bolsonaro) não tomou a atitude. A gente sabia que as relações estavam no limite, mas ele não tomou a decisão, não tem o que ser feito. Mas aquele estressamento, o vazamento o artigo do Ives Gandra, foram momentos de alguma tensão”, recordou.
E sobre os pedidos de impeachment contra o presidente, Maia voltou a destacar que é um julgamento político e que aceitar ou rejeitar pedidos durante a pandemia desviaria o debate do parlamento das medidas emergenciais de combate ao vírus.
Cenário econômico
Questionado sobre a projeção da economia para 2021, Maia lembrou que a PEC do orçamento de guerra restringiu os gastos de combate à pandemia para 2020 e destacou que o melhor a ser feito é enfrentar o próximo ano com o orçamento primário de 1,485 trilhões. “Agora é saber como melhorar a qualidade do controle de gasto público. A PEC do Senado, do Pacto Federativo, que tinha a regulamentação dos gatilhos do teto de gastos, a gente vai ter que olhar para esse campo. Não que o Paulo Guedes não queira. Acho que a trava é no Palácio do Planalto”, opinou.
“A discussão sobre controle de gasto público, não estou vendo no palácio um apetite para tratar do assunto. Por isso, insisto na tese de não modificar o teto de gastos. Se não, vai ser que nem fizemos no passado. Arranjar despesa extraordinária e criar despesa nova aumenta o estado e tira a competitividade do setor privado. A melhor equação é ter coragem e dizer que o teto de gastos está aqui, e temos que reduzir subsídio tributário, indexação, se não, a carga tributária via chegar a 50% do PIB”, destacou.
Maia disse, ainda, que o governo poderá tentar vender as estatais subsidiárias. Mas que, dificilmente, o parlamento irá debater privatizações de estatais em 2020, por conta do prazo que será imposto pelas eleições municipais marcadas para novembro.
Presidencialismo e Lava Jato
Outro tema abordado foi a mudança do sistema político. O presidente da Câmara defendeu que o semi presidencialismo ou o parlamentarismo seriam mais estáveis. Mas disse, também, que não pautaria uma mudança no meio do mandato do presidente. Mas, ainda assim, insistiu na importância de um modelo mais estável e culpou partidos por não mostrarem à população à importância do que defendem, como a mudança do sistema político ou o financiamento público de campanha que, destacou, também ocorre na Alemanha.
“Os partidos que são a favor do parlamentarismo devem mostrar para a comunidade mostrando as vantagens do sistema semi presidencialista ou parlamentarista. O que estamos vendo nos últimos anos é que o presidencialismo gera muito mais problemas que um sistema em que se caminhe com soluções mais rápidas”, opinou.
Sobre a Lava Jato, Maia destacou que foi uma operação importante, que avançou muito, mas defendeu a posição do procurador geral da República, Augusto Aras, de fiscalizar as ações dos procuradores. “Todo o processo investigativo que gera poder pode ter erros e distorções. A única crítica que eu faço é que, às vezes dá a impressão que os procuradores não gostam de ser fiscalizados. No sistema brasileiro, o procurador geral coordena os trabalhos com todos os Ministérios Públicos. E com o corregedor e Conselho Nacional do Ministério Público, tem papel de impor limites, investigar excessos”, argumentou.
“E o CNMP, diferente do CNJ, julga muito pouco, pune muito pouco, em relação ao que acredito que há de processo e que deveria ter algum tipo de punição por parte do conselho. Não sou a favor de interferência do Congresso, por CPI, nada disso. Acho que devemos aprimorar essa relação. Quem fiscaliza o MP e como fica. Qual o papel da Corregedoria, do conselho, para que tenhamos certeza que o trabalho da Lava Jato também tenha seus sistemas de controle ou, daqui a pouco, o procurador pode tudo e em um sistema democrático, o respeito ao devido processo legal é fundamental”, alfinetou.
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