Críticas de Aras são por desconhecimento, diz Deltan Dallagnol

O coordenador da Lava-Jato em Curitiba diz que, se o procurador-geral buscasse informações sobre a força-tarefa, as desconfianças dele acabariam. Alvo de ações no CNMP, ele afirma que seu eventual afastamento da operação enfraqueceria a independência do MP

Sarah Teófilo
postado em 14/08/2020 06:00
 (crédito: Evaristo Sa/AFP - 28/9/19)
(crédito: Evaristo Sa/AFP - 28/9/19)

O Ministério Público Federal (MPF) vive uma grave crise institucional, que vem se agravando nos últimos meses. As discordâncias entre subprocuradores e a postura do procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, crítico da forma de atuação da Lava-Jato, culminaram em intensa discussão numa sessão do Conselho Superior do MPF (CSMPF), no fim do mês passado.

Um dos personagens centrais do imbróglio é o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol. Em entrevista ao Correio, ele avalia que as críticas de Aras à Lava-Jato se dão por “desconhecimento”. “Parecem ser equívocos decorrentes do desconhecimento sobre como funciona a operação. O tamanho e a complexidade de um caso desses tornam, muitas vezes, difícil seu entendimento”, diz.

A situação entre os dois agravou-se depois que Aras passou a buscar acesso completo aos dados da Lava-Jato. O PGR enviou uma comitiva ao Paraná, mas o coordenador não repassou as informações, alegando que foi solicitado acesso amplo aos dados sem indicar quais investigações ou processos da PGR justificariam o compartilhamento. Aras recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, no mês passado, o presidente da Corte, Dias Toffoli, determinou o repasse dos dados. Ao fim do recesso do Judiciário, porém, o ministro Edson Fachin — relator da força-tarefa no tribunal — derrubou a decisão de Toffoli e ainda impediu que a PGR use as informações já enviadas pela operação.

Ao Correio, Dallagnol comentou, também, sobre as ações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que questionam a atuação dele como procurador. A análise de dois processos deve ocorrer na próxima terça-feira, quando estará em jogo a permanência ou não dele na Lava-Jato.

O senhor avalia que seus posicionamentos públicos, fora da atuação junto ao MPF, colocam em xeque as denúncias que faz ao sinalizar parcialidade?

Se colocassem, os primeiros a alegar isso seriam os investigados e réus, o que nunca ocorreu. Como membro do Ministério Público, o que a sociedade espera de mim é uma atuação tão combativa em favor da sociedade como aquela dos advogados. Assim como advogados fazem declarações públicas em defesa de seus clientes, muitas vezes atacando nosso trabalho, cabe a nós prestarmos esclarecimentos e, se for o caso, defendermos nossa atuação. Além disso, é positivo e recomendável que membros do Ministério Público participem do debate social e defendam causas apartidárias relacionadas à sua atuação, como os direitos do consumidor; os direitos humanos; os direitos de idosos, crianças e portadores de necessidades especiais; a democracia; o meio ambiente e, especialmente no meu caso, a causa anticorrupção.

No fim de julho, uma sessão do CSMPF deixou evidente a crise no órgão entre o PGR e procuradores. A postura do procurador-geral, Augusto Aras, em relação à Lava-Jato, assim como as críticas por ele feitas, é um dos principais motivos. Qual é o futuro que o senhor vislumbra para essa crise institucional?

O caminho é sempre o do diálogo e do entendimento. Respeitamos a Procuradoria-Geral e eventuais discordâncias e sempre estivemos abertos para buscar caminhos melhores. Acredito que se o procurador-geral abrir um canal para conhecer melhor como funciona uma grande operação como a Lava-Jato, várias de suas desconfianças e críticas se dissiparão. As forças-tarefas fazem um trabalho relevante socialmente de responsabilizar corruptos e recuperar valores, que precisa continuar, ainda que debaixo de outro modelo de atuação.


O que representam as declarações críticas do PGR à Lava-Jato?
Parecem ser equívocos decorrentes do desconhecimento sobre como funciona a operação. O tamanho e a complexidade de um caso desses tornam, muitas vezes, difícil seu entendimento. O procurador-geral se mostrou surpreso, por exemplo, com o fato de termos uma base de dados de 500 terabytes, mas se tranquilizaria facilmente se compreendesse que a imensa parte disso são cópias de mídias apreendidas. Como a Lava-Jato já passou de 70 fases, é como se tivesse sido apreendida uma média de sete a 14 computadores de 500 gigabytes a cada fase, o que é bastante natural.

O ministro Edson Fachin negou pedido da PGR para reconsiderar decisão sobre compartilhamentos de dados da Lava-Jato. É uma vitória? O PGR diz que a força-tarefa é como uma “caixa de segredos” e que ia atuar para acabar com o “punitivismo” no MP.

A decisão do ministro Fachin é acertada, mas não se trata, para nós, de uma disputa, mas, sim, de cumprir a lei, cuja força foi, no meu entender, restabelecida. Não há caixa de segredos, todos os nossos documentos e procedimentos estão registrados nos sistemas eletrônicos do Ministério Público, da polícia ou da Justiça e são sindicáveis pela Corregedoria, que, todo ano, faz uma correição ordinária na força-tarefa e jamais constatou alguma infração funcional. Esse tipo de especulação que lança suspeitas, sem qualquer indicativo de irregularidade, não é construtivo para a instituição e o trabalho. Não vejo, também, um punitivismo, mas um esforço extraordinário para romper a impunidade histórica de criminosos do colarinho-branco e alcançar justiça.

A criação de um órgão, em Brasília, para reunir dados colhidos pelo MPF e centralizar ações de combate à corrupção seria um retrocesso?

Uma unidade central anticorrupção pode ser um avanço se tiver mecanismos de governança e transparência que assegurem sua plena independência. De positivo, um órgão assim permitiria a perenização institucional de experiências e conhecimentos adquiridos em grandes investigações.

O senhor vê os processos no CNMP como uma perseguição à Lava-Jato?

Muitos investigados e réus utilizam pedidos de punição para vingança pessoal. A proteção mais básica para promotores e juízes que atuam contra poderosos é aquela contra retaliações. A grande maioria das reclamações disciplinares foi protocolada no CNMP por réus, investigados e seus aliados e tinha esse conteúdo retaliatório, não se convertendo em processos disciplinares. É interessante notar que jamais houve reclamações disciplinares movidas por agentes públicos com os quais atuamos nos últimos seis anos, dos mais diversos órgãos como MPF e da PF (Polícia Federal), JF (Justiça Federal), RF (Receita Federal), AGU (Advocacia-Geral da União), CGU (Controladoria-Geral da União), TCU (Tribunal de Contas da União), Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional).

Para o senhor, o que significará se o Conselho decidir pelo seu afastamento da força-tarefa?

Os três precedentes de remoção compulsória pelo Conselho Nacional envolvem casos graves de omissão e desídia na atuação, muito diferente da minha realidade de dedicação ao Ministério Público e ao serviço à sociedade. Seria o primeiro caso de afastamento dissociado de uma atuação leniente, mas, sim, aguerrida e combativa. Jamais respondi a processos disciplinares pela atuação em investigações e processos, a qual é, aliás, coletiva, de uma equipe, e não individual. Nesse contexto, meu afastamento forçado da maior operação anticorrupção da história brasileira, que pode acontecer para cidade distante de Curitiba, intimidaria pelo exemplo e enfraqueceria a independência do trabalho do Ministério Público.

No caso envolvendo o senador Renan Calheiros (MDB-AL), acredita que cabe ao senhor, como autoridade de um poder que investiga políticos, posicionar-se contra a eleição de um parlamentar à presidência do Senado, como o fez, estabelecendo uma conexão entre a possível eleição dele ao não avanço de uma reforma contra a corrupção?

O que fiz foi defender a campanha de voto aberto e fazer uma leitura de cenário sobre a pauta anticorrupção, avaliando que a eventual eleição de Renan pelos senadores seria prejudicial para essa pauta, já que era investigado por crimes de corrupção e lavagem. Nunca defendi que se votasse a favor ou contra qualquer candidato. Meu compromisso é com a causa, jamais com pessoas ou partidos. Vivo divulgando notícias de investigações contra políticos, por entender que são de interesse público. Nas eleições de 2018, por exemplo, defendi, ainda, que os brasileiros só votassem em pessoas com passado limpo. Tudo isso insere-se no exercício legítimo e recomendável da liberdade de expressão para debater pautas apartidárias de interesse público.

O senhor se arrepende da publicação?

A publicação deu margem para um debate que toma energias que eu poderia investir melhor em investigações e processos. Assim, mesmo entendendo que as manifestações foram totalmente legítimas, hoje, provavelmente, não faria. Por isso, fala-se que a instauração de procedimentos para investigar opiniões “resfria” ou “gela” a liberdade de expressão, é o chamado chilling effect.

Em relação ao pedido feito pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), de que o senhor teria realizado palestras como uma forma de “alavancar sua imagem pessoal” e depois “monetizar aparições públicas”. Utilizou a posição de coordenador da Lava-Jato para alavancar a imagem pessoal?

A alegação da senadora, investigada pela Lava-Jato perante o Supremo, não procede. Se houvesse esse propósito, eu teria participado das entrevistas coletivas na Polícia Federal nos dias das operações, as quais eram os momentos de maior visibilidade da Lava-Jato desde seu início, o que nunca ocorreu. A condição de porta-voz da força-tarefa de procuradores foi um encargo institucional, atribuído pela equipe de comunicação da Procuradoria-Geral, no fim de 2014. Ao longo dos seis anos, a prestação de informações e esclarecimentos sobre a operação, assim como a defesa da causa anticorrupção, recomendaram intensos contatos e interação com a imprensa e a sociedade, o que é saudável e positivo. Mais de uma dezena de outros procuradores da força-tarefa também deram centenas de entrevistas. Nessas minhas entrevistas e aparições públicas, sempre segui as recomendações oficiais da assessoria de comunicação do Ministério Público.

Após atuação em processos da Lava-Jato, o ex-juiz Sergio Moro disse que não seguiria carreira política, mas acabou se tornando ministro e, hoje, é cotado para as eleições de 2022. O senhor descarta uma carreira na política, ou é algo possível?

Como já disse, hoje estou focado, exclusivamente, no trabalho desempenhado na Operação Lava-Jato e jamais conversei com políticos sobre uma possível candidatura, o que seria inadequado. Não vou fazer especulações sobre o futuro.

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