GOVERNO

Uma forma de estourar o teto

Bolsonaro admite, em live, que discute maneiras de gastar, contrariando o que propôs Guedes. Compromisso com austeridade, anunciado quarta-feira, durou pouco

Ingrid Soares
Augusto Fernandes
postado em 13/08/2020 23:52 / atualizado em 13/08/2020 23:59
 (crédito: Carolina Antunes/AFP)
(crédito: Carolina Antunes/AFP)


Em meio à queda de braço, dentro do governo federal, dos que pregam mais gastos e daqueles que defendem um ajuste fiscal mais consistente, o presidente Jair Bolsonaro mudou o discurso de que o norte da sua gestão é a responsabilidade fiscal e o teto de gastos. E admitiu que há conversas entre os seus ministros para que seja possível contornar a norma que proíbe a utilização desregulada do dinheiro público por parte do Poder Executivo.

Apesar de ter dito, na quarta-feira, que é a favor do teto de gastos, tendo promovido até uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e alguns ministros, para firmar um entendimento de que não iria desrespeitar a norma, Bolsonaro adotou um tom diferente ontem. Em transmissão nas redes sociais, comentou que os ministros da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sugeriram a ele aproveitar o momento onde o governo pode gastar mais verba pública por conta da pandemia da covid-19 e utilizar R$ 20 bilhões em obras. Se isso acontecesse, o governo feriria as regras do chamado orçamento de guerra.

“A ideia de furar o teto de gastos existe, o povo debate, qual o problema? Tem a PEC de guerra. Nós já furamos o teto de gastos em mais ou menos R$ 700 bilhões. Dá para furar mais R$ 20 bilhões? Qual a justificativa? Se for para vírus, não tem problema”, explicou Bolsonaro. De acordo com o presidente, os R$ 20 bilhões seriam utilizados em empreendimentos que, de certa forma, pudessem auxiliar no combate à pandemia, como obras de saneamento básico e infraestrutura hídrica.

Devido ao novo coronavírus, o Congresso Nacional aprovou em maio uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitiu gastos excepcionais por parte do Estado durante a crise sanitária sem a necessidade de cumprir exigências constitucionais, como a regra de ouro. O texto deu o “aval” para que o governo extrapolasse o teto, medida que limita o aumento dos gastos federais, mas estabeleceu que esse recurso extraordinário teria de ser aplicado somente em iniciativas que visem ao enfrentamento do novo coronavírus e não poderia ser utilizado para outros fins.

Ele comentou que pastas como a do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura e da Defesa têm um espaço mínimo no Orçamento e, portanto, poucos recursos para tocar projetos. Sabendo da situação excepcional criada pelo orçamento de guerra, o presidente disse ser “salutar” que os respectivos ministros pudessem pleitear um pouco mais de dinheiro público para fazer avançar os seus empreendimentos. Outros motivos que justificam a discussão, segundo Bolsonaro, é o fato de cerca de 95% do Orçamento da União estarem comprometidos e a provável queda na arrecadação de 2021.

Diante da reação negativa do mercado financeiro e do setor político à ideia de o governo gastar ainda mais verba pública neste ano, sobretudo para uma finalidade que não combateria de forma direta a covid-19, a tendência é de que Bolsonaro envie uma proposta para o Congresso com o objetivo de remanejar pelo menos R$ 5 bilhões do atual Orçamento da União para poder investir em obras.

O texto deve ser apresentado na forma de um projeto de lei de abertura de crédito suplementar. Essa foi a forma encontrada pelo Palácio do Planalto para liberar mais dinheiro público para o setor desenvolvimentista do Executivo sem dar pedalada fiscal.

 

TCU acompanha manobras de perto
As manobras do governo de burlar o teto dos gastos estão sendo observadas com lupa pelo TCU. Caso o Palácio do Planalto insista, a Corte poderá até abrir processo contra o presidente Jair Bolsonaro por crime de responsabilidade fiscal. As declarações são do procurador no TCU Júlio Marcelo Oliveira, ao Blog do Vicente. Responsável pelo processo que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ele lembra que, nas últimas semanas, houve várias tentativas de diferentes membros do governo de driblar o teto. “Conseguimos abortar alguns procedimentos que levariam a condutas ilegais por parte do governo”, frisou.

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Ministro recompõe equipe econômica


O ministro da Economia, Paulo Guedes, preencheu, ontem, as vagas abertas pelas saídas de Salim Mattar e Paulo Uebel do governo, no que ele classificou como debandada da equipe econômica. Ele indicou Diogo Mac Cord para a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, e Caio Andrade para a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.

Mac Cord é secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia. Já Andrade é o atual presidente do Serpro. A presidência do Serpro, por sua vez, será ocupada por Gileno Barreto, atual diretor Jurídico e de Governança e Gestão da empresa.

E, apesar de Jair Bolsonaro declarar publicamente que apoia Guedes e sua agenda econômica liberal, o ministro e sua equipe –– agora novamente completa –– estão inquietos. Não têm muita certeza se o compromisso que o presidente assumiu em manter o teto de gastos é para valer.

As opiniões estão divididas dentro e fora do governo. “Claro que o Guedes não pode levar a sério (o compromisso). Bolsonaro finge que apoia, mas não está falando sério”, afirmou um interlocutor da equipe econômica. “O ministro tinha opção de não acreditar? Se o presidente declara, em ato solene e publicamente, que vai seguir Guedes, como duvidar? Agora é ver para crer”, disse outra fonte próxima do ministro.

Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual digital, assegurou que o mercado não acreditou no presidente. “Esperava mais e ficou bem frustrado ao ver apenas uma breve declaração de Bolsonaro e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Faltam medidas concretas”, apontou.

O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, reforçou que o governo precisa mostrar uma estratégia mais clara para o enfrentamento dos riscos fiscais do Orçamento de 2021. Posar para sinalizar melhora nas relações com o Legislativo não é suficiente. “No fundo, o comprometimento público precisa ser acompanhado de resultados práticos”, frisou.

Mourão: reforma pronta para seguir ao Congresso

 (crédito: Romério Cunha/VPR )
crédito: Romério Cunha/VPR


O vice-presidente Hamilton Mourão disse, ontem, que o texto da reforma administrativa está pronto e depende apenas do presidente Jair Bolsonaro para ser remetido ao Congresso. A proposta mexe num ponto sensível do governo: os servidores públicos federais, que, segundo contas do próprio Poder Executivo, consomem aproximadamente 22% do orçamento da União –– e contam com um lobby forte e articulado dentro do Parlamento. Porém, caso o Palácio do Planalto decida encampar a reforma e comprar briga com as corporações do funcionalismo, terá ao seu lado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, que garantiu que os deputados apoiarão a reforma e dividirão com Bolsonaro responsabilidades e ônus.

Segundo Mourão, “a reforma está pronta desde o começo do ano. Cabe ao presidente, por meio de decisão política, encaminhar a proposta ao congresso. Acho que o Congresso está preparado para receber a reforma e trabalhar”, disse. Sobre o fato de deputados e senadores discutirem, ao mesmo tempo, a reforma tributária, ele destacou que dependerá “da vontade dos nossos parlamentares”.

Maia destacou que a reforma administrativa, com o teto de gastos, fará com que o Estado economize e qualifique o serviço público, enquanto que a tributária trará investimentos e competitividade. De acordo com o presidente da Câmara, esse é o único caminho para garantir algum acréscimo no investimento público no próximo ano, já que não há disposição de deputados e senadores para estender o decreto de calamidade pública e permitir que o governo gaste além do teto em 2021.

Maia destacou que Bolsonaro terá apoio da maioria dos deputados se enviar a reforma administrativa. Não é para perseguir servidor. Melhorar o estado é valorizar os servidores. Não podemos é ter uma máquina com esses custos, pois o salário médio dos servidores federais é o dobro das mesmas funções no setor privado”, comparou.

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