Nas entrelinhas

por Carlos Alexandre de Souza carlosalexandre.df@dabr.com.br — interino

Correio Braziliense
postado em 15/08/2020 01:02
 (crédito: caio)
(crédito: caio)

 


O presidente sai das cordas

Com o salto de popularidade revelado pelo Datafolha, o presidente Jair Bolsonaro saiu das cordas. As ações econômicas para socorrer os milhões de brasileiros afetados pela crise decorrente da pandemia trouxeram dividendos políticos importantes para o mandatário, após meses de sucessivas crises. Mais do que o reconhecimento popular pelo esforço de providenciar um auxílio emergencial, o bom momento de Bolsonaro abre oportunidades para o chefe do Executivo se aprumar para o caminho da reeleição. As declarações controversas, o desprezo pelas recomendações sanitárias, os ataques a governadores e à imprensa, todos os gestos e palavras que marcaram a postura presidencial desde o início da pandemia parecem ter atingido o ponto máximo de desgaste à imagem do presidente. O que pesou, definitivamente, a favor de Bolsonaro foi o auxílio bilionário aos milhões de vulneráveis. Por ironia, a proposta inicial do governo era oferecer uma ajuda financeira de R$ 200. Foi no Congresso que se viabilizou o valor de R$ 600, pagos em três parcelas. Pois é essa ajuda que está rendendo muito para o capital político de Bolsonaro.

Apesar de toda a tragédia que se abateu no país em razão da pandemia, o presidente encontrou um posicionamento em relação ao problema que mais o incomodava. Ele tem em mãos todos os argumentos para enfrentar críticos do momento e futuros adversários em 2022. Alguns já são mencionados há um bom tempo, como espécie de mantra para se defender dos ataques: o isolamento social é uma responsabilidade de governadores e prefeitos, cabendo a eles responderem pelos equívocos, recuos e abusos no enfrentamento da pandemia; o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, oferece apoio logístico e equipamentos a estados e municípios para dar suporte à rede de atendimento do SUS; e, finalmente, os R$ 175 bilhões repassados a 60 milhões de brasileiros são a contribuição mais relevante para enfrentar a grave crise econômica em curso. Pode-se considerar um absurdo o presidente defender o uso de cloroquina; ficar indignado com os comentários “e daí?” e “não sou coveiro” em relação aos milhares de mortos por covid; reclamar que o governo deveria exercer o papel de coordenador nacional das ações de combate à pandemia; exigir o mínimo que se espera de uma autoridade — que dê exemplo à população. Tudo isso tem um peso relativo. O fato é que, três dias depois de o país atingir 100 mil mortos pela pandemia, uma parcela considerável de brasileiros aponta o governo de Jair Bolsonaro como bom ou ótimo. O presidente atravessa o melhor momento da sua gestão, desde 1º de janeiro de 2019, apesar da pandemia, do Mandetta, do Moro, do Supremo, do Congresso. Não é pouca coisa. É possível dizer que o pagamento de auxílio emergencial nada mais é do que a obrigação de um governante — no mundo inteiro, os governos tentaram dar algum tipo de compensação financeira para os cidadãos enfrentarem a crise econômica. Mas não se pode desmerecer a habilidade do governo Bolsonaro em obter um dado positivo em meio ao cenário devastador provocado pelo novo coronavírus.

Pelos próximos meses, o desafio do presidente consiste em encontrar os meios para estender, ao máximo, o momento favorável na opinião pública. O ponto central será encontrar recursos para bancar, ao menos temporariamente, e, no futuro, de maneira permanente, a ajuda emergencial aos mais vulneráveis. A aprovação do Renda Brasil, programa que substituiria o Bolsa Família, seria fundamental para conferir a Jair Bolsonaro o perfil social que, hoje, lhe rende dividendos políticos. Em mais um dos paradoxos da política brasileira, é no Nordeste que o Executivo concentra, agora, todas as atenções. O mesmo Nordeste onde, há dois anos, Bolsonaro perdeu as eleições para o candidato petista. É paradoxal um governo marcado pelo ultraliberalismo, bem avaliado pelo meio financeiro e empresarial, colher os louros por comandar uma ação típica de governos progressistas, mais preocupados em promover o bem-estar social do que em assegurar os lucros do mercado e das grandes fortunas. O político que interrompeu 16 anos de petismo no Brasil conquistou o brasileiro mais pobre, historicamente o público-alvo dos partidos de esquerda. Bolsonaro está experimentando — e apreciando — o gosto popular, ganhando musculatura política para invadir uma seara dominada, até aqui, pelo Partido dos Trabalhadores e outras legendas progressistas. Na medida em que a União é que detém a maior quantidade de recursos, é até natural haver uma resposta positiva do eleitor ao governo que lhe oferece um alento financeiro na penúria da covid. Mas não se pode negar que, dentro da imprevisibilidade da pandemia, Bolsonaro encontrou uma saída.

O presidente fez o seu lance. Resta saber por quanto tempo a fortuna estará favorável ao Planalto. A permanência de Paulo Guedes no governo, em meio à complicada conta de pressionar os cofres públicos tendo de respeitar o teto de gastos, é um fator que pode causar alguma desestabilização. Mas Bolsonaro já deu prova de sobrevida política após as defecções de Sergio Moro e Luiz Henrique Mandetta, dois ministros importantes para a imagem do governo. Se o posto Ipiranga representar um empecilho para o presidente manter-se em uma posição mais vantajosa, Bolsonaro não terá problema em buscar outra bandeira. Ele já dispensou outras unanimidades. Não tem por que não repetir o gesto.

 

“Se o posto Ipiranga representar um empecilho para o presidente manter-se em uma posição mais vantajosa, Bolsonaro não terá problema em buscar outra bandeira”

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