Discussão sobre teto de gastos precisa ser política, diz André Lara Resende

Jorge Vasconcellos
postado em 15/08/2020 18:41 / atualizado em 15/08/2020 18:41
 (crédito: Ana Paula Paiva/Valor)
(crédito: Ana Paula Paiva/Valor)

O teto de gastos deve ser discutido do ponto de vista político, não apenas com a lente da ciência econômica, afirmou, neste sábado (15/08), o economista André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central (BC) e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Um dos participantes da edição extra do Fórum Nacional, Resende disse que a permissão para que o Estado gaste é um fator de fortalecimento do governo do momento.

"É uma percepção de que, se houver espaço para gastar, o governo ganha", frisou o economista, citando como exemplo o aumento do índice de aprovação do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a 37%, o maior desde sua posse, conforme a última pesquisa Datafolha. "O governo Bolsonaro está no auge do seu ponto de apoio desde a posse porque o gasto emergencial de R$ 600 teve efeito extraordinário", avaliou o economista.

Para Resende, falta racionalidade ao teto de gastos, embora ele seja defendido como uma "posição racional". Segundo o economista, "é simplesmente uma defesa política de não dar mais força a esse governo.” Ele também lamentou que, por causa da pandemia, "no mundo, o dogmatismo fiscal cedeu a uma prática realista, mas, curiosamente, no Brasil, não".

O economista criticou as pressões para que o Estado não gaste, vindas, segundo ele, não apenas de um setor do governo. "O teto de gastos é algo completamente inviável. Foi uma restrição imposta em um momento que fazia sentido, mas hoje é inviável. As despesas obrigatórias continuam a crescer, e a principal delas continua sendo a previdência do setor público”, disse, destacando que a reforma da Previdência do governo Bolsonaro impactou, sobretudo, o INSS, ou seja, na previdência privada.

Segundo Lara Resende, com a pandemia, a equipe econômica do governo se viu em um caso de “dissonância cognitiva”, porque sua prioridade sempre foi defender o reequilíbrio das contas, mas precisou reconhecer que, neste momento, não fazia sentido.

Para Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e presidente do Fórum Nacional, a situação no Brasil é “curiosa”, porque, enquanto “a equipe econômica se esfacelou”, diz ele, em referência à debandada na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, a popularidade do presidente da República aumenta.

Velloso observou que, dentro do governo, a disputa entre a ala expansionista e a que prega o controle fiscal mais duro é uma questão que precisa ser resolvida. “O presidente parece favorecer um lado, às vezes outro. Penso que isso terá de chegar a uma definição que dê mais consistência para a ação do governo, ou seja, um lado ganhar do outro”, disse Velloso.

Segundo ele, a discussão sobre o cumprimento ou não do teto de gastos deveria migrar para um debate sobre como equacionar os altos déficits previdenciários do setor público. Isso, afirmou, abriria espaço para investimentos públicos que podem ajudar o país se recuperar da crise causada pela pandemia.

"O teto nasceu morto, porque ele é muito difícil de aplicar", afirma. "Como despesas obrigatórias dependem, na maioria das vezes, até de mudanças constitucionais para serem ajustadas, o único jeito é ajustar as despesas discricionárias. Mas chega uma hora em que o investimento desaparece, acaba, e aí [o teto] vai ser discumprido de qualquer maneira", sublinhou.

Outro participante do Fórum Nacional, o economista José Oreiro, da Universidade de Brasília, disse que "o Brasil está em uma depressão", enfrentando uma pandemia após ter passado por duas crises próximas temporalmente - de 2014/2016. Segundo ele, a perspectiva é que, em 2020, o PIB brasileiro feche em 12% abaixo do registrado em 2013. "E a grande discussão do debate macroeconômico é se vai ou não cumprir o teto de gastos. Isso é surreal. Essa discussão de ajuste fiscal não está posta para 2021 em nenhum país do mundo, só no Brasil", afirmou.

Oreiro disse que a proposta não deve ser a de acabar com o teto, mas flexibilizá-lo, retirando, por exemplo, o investimento público da regra fiscal. "Você pode colocar controle fiscal para o gasto com funcionário público, isso faz sentido." No caso dos investimento públicos, porém, "o que tem que se assegurar é que ele seja de boa qualidade".

Ele citou artigos dos economistas Bradford DeLong e Lawrence Summers sobre como opera a política fiscal em economias em recessão. “Em condições de recessão, em que a economia está operando perto do zero lower bound, com taxa de juros nominal muito próxima de zero, uma expansão fiscal poderia pagar a si mesma.”

Para o professor da UnB, se triunfar a ideia de que temos de voltar ao ajuste fiscal em 2021 “vai ser um catástrofe econômica”. “Do ponto de vista político, pode servir para derrubar Bolsonaro, só que isso pode colocar o país em chamas e causar um caos social de proporção colossal”, afirma.

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