Além de ineficiente para resolver a complexidade do sistema brasileiro, a reforma tributária apresentada pelo governo, por meio do projeto de lei nº 3.887/2020, está fora do seu tempo. A opinião é de Everardo Maciel, 70 anos, consultor tributário, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público e secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002. “É uma completa falta de foco estar discutindo reforma tributária quando o Brasil, como o resto do mundo, está diante de uma das maiores crises da humanidade, sanitária e fiscal, com perspectivas de dobrar o número de pessoas em extrema pobreza e aumentar em um terço a população pobre”, sustenta..
Segundo ele, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial terá queda expressiva, os estados e municípios brasileiros passam por crise fiscal e o país está na iminência de redução do auxílio emergencial. “O governo está desperdiçando tempo ao discutir reformas estruturais. Especialistas estrangeiros estão espantados, porque ninguém mais faz isso no mundo”, diz. “É inacreditável que estejam debatendo a reforma tributária sem nenhuma página de fundamentação, sem que se conheçam os critérios que resultaram na proposição de alíquotas, sem repercussão nos setores, nos preços e na vida das pessoas.”
Para Maciel, a alegada simplificação é falsa. “A forma de apuração dos tributos seria muito mais complexa do que hoje. O projeto do governo permite antecipar em pequena escala as deformações. É ridículo falar em simplificação ao fundir PIS e Cofins. A única consequência visível é repercussão sobre seguro de desemprego e abono salarial”, critica.
O professor diz que a proposta reduz impostos dos produtos de cadeia longa, como automóveis, mas aumenta a tributação da escola, da consulta médica, do agronegócio, do Simples, dos serviços e até de livros. “O Brasil é um país onde se lê pouco. Cerca de 50% da produção de livros são de material didático e 20% são religiosos. Querem tributar a Bíblia e livros didáticos, que, aliás, grande parte quem compra é próprio governo.”
Três propostas
Atualmente, existem três projetos de reforma tributária. A proposta de emenda constitucional (PEC) nº 45/2019, da Câmara; a PEC nº 110/2019, do Senado; e o PL nº 3.887/2020, apresentado pelo Executivo. “Todos são ruins”, vaticina o ex-secretário da Receita. “O governo deveria estar pensando em como resolver o problema das empresas que tiveram o pagamento de impostos adiado por conta da pandemia. O prazo para começarem a pagar é em setembro. Se nada for feito, será a maior inadimplência da história”, alerta. Ele defende a moratória. “Assim, o pagamento seria feito conforme a condição. Se não está faturando, não paga. Se faturar pouco, paga pouco. Se faturar muito, paga tudo”, explica.
Na opinião de Maciel, a política tributária do Brasil é hostil. “Generosidade e empatia são o que está sendo praticado no resto do mundo. As nações ricas criaram fundos de 850 bilhões de euros para ajudar os países pobres: metade doação e metade empréstimo sem juros para pagar em 30 anos. E nós, aqui, discutindo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) da Nova Zelândia. Isso é desorientação, alienação da realidade. Será que só eu estou vendo isso?”, indaga.
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