"Vontade de encher na porrada"

GOVERNO / Bolsonaro expressa, de forma agressiva, desejo de bater em jornalista que o questionou sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz na conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Declaração provoca repúdio de entidades e de políticos

» Renato Souza
postado em 24/08/2020 00:02 / atualizado em 24/08/2020 00:04
 (crédito: Sérgio Lima/CB)
(crédito: Sérgio Lima/CB)

O presidente Jair Bolsonaro disse ter vontade de bater em um repórter durante visita que fez, ontem, à Catedral Metropolitana de Brasília. Questionado sobre a origem de cheques que teriam sido depositados por Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o chefe do Executivo e afirmou que a vontade era “encher” a boca do jornalista “na porrada”. Na ocasião, ele estava rodeado por seguranças e apoiadores.
Queiroz é alvo de uma investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre um suposto esquema de rachadinhas montado no gabinete de Flávio quando o filho do presidente era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Michelle teria recebido R$ 89 mil de Queiroz, entre 2011 e 2016. A origem e o motivo da transferência do valor não foram explicados.


Na visita à Catedral, Bolsonaro disse que não responderia a nenhuma pergunta. Ao ser indagado por um jornalista de O Globo, reagiu com agressividade. “Minha vontade é encher tua boca na porrada, tá?”, disparou. E completou: “Seu safado”. Alguns profissionais de imprensa perguntaram se ele estava fazendo uma ameaça, mas não obtiveram resposta.


As declarações provocaram protestos de entidades e políticos. O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, disse que a reação de Bolsonaro é contrária à democracia. “É lamentável que, mais uma vez, o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista. Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição”, enfatizou.


A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenou “mais um episódio violento protagonizado por Jair Bolsonaro, cuja reação, ao ouvir uma pergunta incisiva, foi não apenas incompatível com sua posição no mais alto cargo da República, mas até mesmo com as regras de convivência em uma sociedade democrática”. “Um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é próprio de ditaduras, não de democracias”, continua o comunicado. “Tal comportamento inadmissível por parte de um presidente da República deveria ser condenado por todas as instituições e cidadãos comprometidos com a estabilidade e o progresso do Brasil.”


O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo, afirmou, em nota, que “mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro choca o país com seu comportamento grosseiro”. “Tal comportamento mostra não apenas uma inaceitável falta de educação, é, também, uma tentativa de intimidação da imprensa, buscando impedir questionamentos incômodos”, ressaltou. “A ABI se solidariza com o profissional atingido e reafirma que a pergunta feita ao presidente era pertinente e de interesse público. Por fim, lembra, ao primeiro mandatário do país que o cargo que ocupa exige maior decoro. Tenha compostura, senhor presidente.”


Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacou que Bolsonaro estava se mostrando mais comedido. “O presidente vinha muito bem nas últimas semanas. Com sua moderação, vinha contribuindo para a pacificação do debate público. Lamentável ver a volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas. Nossa solidariedade ao jornalista ofendido e ao jornal que o emprega”, afirmou.

Respeito

Em comunicado, o MDB informou que “defende a liberdade de imprensa e o respeito aos jornalistas profissionais”, e que “o presidente da República precisa se retratar pelo que disse ao repórter do jornal”. O PSDB, por sua vez, afirmou que esse comportamento “desrespeita a liberdade de imprensa, em atitude que não condiz com o cargo que ocupa”, e que “agindo assim, não nega apenas uma resposta ao jornalista, nega, também, a informação transparente aos brasileiros”.


Pelas redes sociais, parlamentares também mostraram repúdio. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) escreveu: “O medo de responder é tão grande que Bolsonaro quer silenciar quem o fiscaliza de toda forma... Ele vai dizer o mesmo à Justiça?”. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) tuitou: “O que se espera de um presidente é que ele se comporte à altura do cargo que ocupa. Ameaças à imprensa são ameaças à própria democracia. Além disso, Bolsonaro tenta esconder o que, aos poucos, está vindo à tona: seu envolvimento num esquema criminoso”.


Em nota, o jornal O Globo afirmou que “repudia as agressões” e que o profissional apenas exercia sua função. “Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população. Durante os governos de todos os presidentes, o Globo não se furtou a fazer as perguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é informar os cidadãos. E continuará a fazer as perguntas que precisarem ser feitas, neste e em todos os governos”, informou.

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