GOVERNO

Bolsonaro agride os jornalistas pelo 2º dia

Na solenidade que exaltaria a cloroquina como remédio a ser utilizado preventivamente contra a covid, presidente explode e chama repórteres de "bundões"

 INGRID SOARES
postado em 24/08/2020 23:31
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Era para ser um evento para exaltar a cloroquina, com médicos que defendem a utilização do medicamento como tratamento preventivo ao novo coronavírus, embora a substância não tenha eficácia científica comprovada — tanto que foi intitulado “Encontro Brasil vencendo a Covid-19” e aconteceu em solenidade no Palácio do Planalto. Mas acabou se convertendo em mais uma rodada de agressões à imprensa. No dia seguinte ao presidente Jair Bolsonaro ter respondido agressivamente a um jornalista, que lhe perguntara sobre o depósito de R$ 89 mil feito por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro –– “minha vontade é encher tua boca com uma porrada” ––, ontem ele voltou a menosprezar a imprensa e os repórteres.

A ofensa foi quando Bolsonaro contou que salvou de afogamento um aspirante do Exército. “Em 1978, um soldado numa oficina de cordas caiu numa lagoa, que tinha mais ou menos dois metros e meio de profundidade. É pouca coisa. E eu consegui. Era um jovem aspirante do Exército brasileiro, tinha 23 anos, sempre fui atleta das Forças Armadas. Aquela história de atleta né, que o pessoal da imprensa vai para o deboche, mas quando (o coronavírus) pega num bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor”, atacou. No evento, não se falou nos brasileiros mortos pela covid-19, que ontem passaram das 115 mil.

Bolsonaro disse ainda que os jornalistas “só sabem fazer maldade”. “Só sabe fazer maldade, usar a caneta com maldade em grande parte”, disse.

A nova agressão foi repudiada por, entre outros, o apresentador José Luiz Datena, em cujo programa Bolsonaro esteve algumas vezes. Ele reagiu dizendo que não aceitava que a categoria à qual pertence fosse chamada desta forma: “Eu sou do jornalismo e não sou ‘bundão’, senhor presidente Bolsonaro. Agora, o senhor me dá o direito de chamar o Jair de ‘bundão’. Então, ‘bundão’ é o Jair, ‘bundão’ é o senhor”, disparou, ao vivo.

Redes sociais

A ameaça de domingo de Bolsonaro ao jornalista, aliás, gerou a terceira maior onda de comentários negativos para ele nas redes sociais desde o início da pandemia, segundo a consultoria Bites. O levantamento, que inclui dados atualizados até as 17h30 de ontem, indica que o episódio só ficou atrás do repúdio gerado no dia da prisão de Queiroz, em 18 de junho, e nos dias que se seguiram à participação do presidente a atos antidemocráticos em 31 de maio.

Nas redes, os apoiadores de Bolsonaro tentaram articular uma mobilização de apoio. Mas as publicações que utilizaram as hashtags escolhidas pela base do presidente para defendê-lo não haviam chegado nem a um décimo do volume alcançado pelas publicações críticas ao presidente, segundo a Bites.

Segundo a Bites, entre o último domingo e as 17h30 de ontem, 912 mil publicações repetiram o questionamento feito pelo jornalista ou utilizaram as hashtags “#respondebolsonaro”, “#respondepresidente” e “#porradanaonoscala”. As mensagens foram publicadas por 336 mil usuários — uma mesma conta pode fazer várias publicações sobre o tema.

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Maia, Mello e Randolfe repudiam ameaça

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), condenou a ameaça de Jair Bolsonaro a um repórter, domingo, quando foi indagado sobre os repasses de Fabrício Queiroz para a conta da primeira-dama Michelle –– “Tenho vontade de encher tua boca de porrada”, reagiu. O deputado disse que se ofender com uma pergunta “é da natureza humana”, mas a reação foi desproporcional.

“Não é bom. Claro que, muitas vezes, as perguntas que vocês fazem a gente não gosta. Fica com raiva. Não cabe uma reação desproporcional como a do presidente. A gente tem de entender que as nossas liberdades têm importância fundamental em qualquer civilização e sociedade”, afirmou.

Questionado sobre os repasses feitos por Queiroz à Michelle, Maia não quis responder. “Não vou entrar nesse caso. É uma questão que está na Justiça, Ministério Público. Cabe a eles tratar desse assunto. Não cabe ao presidente da Câmara tratar desse problema”, esquivou-se.

Aliás, a provocação para que Bolsonaro respondesse à pergunta sobre o depósito na conta de Michelle foi um dos itens mais comentados no Twitter, ontem.

Decano e Senado

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, também se manifestou contrariamente às agressões de Bolsonaro. Numa rede social, escreveu: “Declarações como essas constrangem-me e entristecem-me como brasileiro e cidadão livre desta República. O direito ao exercício da imprensa é condição essencial para preservação das liberdades fundamentais”, condenou.

Ao mesmo tempo, senadores começaram a se articular para denunciar Bolsonaro pelas repetidas agressões à imprensa. Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), requisitando que a entidade vigie a violência contra jornalistas no Brasil. Ele também protocolou um pedido de inquérito, no Supremo Tribunal Federal, pedindo medidas protetivas para o jornalista desacatado pelo presidente.

A petição à OEA tem 14 páginas e descreve o episódio de domingo contra o repórter. “Conforme informa a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), ‘presidente Bolsonaro promove 245 ataques contra o jornalismo no primeiro semestre’: foram registradas 245 ocorrências de janeiro a junho de 2020, sendo 211 categorizadas como descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e dois ataques contra a Fenaj”, relatou o senador.

No pedido ao STF, que segue a mesma argumentação feita à OEA, Randolfe pede à suprema corte que “oficie à Procuradoria-Geral da República para que aquela promova a abertura de inquérito a fim de apurar a licitude do comportamento de Jair Messias Bolsonarao”. “Solicita-se, ainda, que, desde logo, seja determinado que o Sr. Jair Messias Bolsonaro não se aproxime do repórter, a menos que o repórter assim consinta”,salienta o texto.

Líder: "não vai mudar"

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que a fala do presidente Jair Bolsonaro de querer agredir um repórter não deverá influenciar o relacionamento do presidente com os parlamentares da Câmara.

“Conhecemos Bolsonaro há 28 anos, ele sempre foi assim e não vai mudar”, disse Barros, em entrevista à rádio Jovem Pan, ontem.

Segundo Barros, Bolsonaro não ameaçou o repórter ,no domingo, que perguntara sobre dinheiro depositado na conta da primeira-dama. “Ele falou que ‘gostaria de’ e não ‘vou fazer’. É um pensamento que externou, que certamente não precisaria ter externado”, defendeu o parlamentar.

De acordo com Barros, “agora todas as entidades se manifestam, o que é uma bobagem. Uma tentativa de fazer o mosquito virar um elefante. O Brasil não precisa disso, precisa de andar e prosperar”.

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