O ministro da Justiça, André Mendonça, entrou na rota das tensões políticas após vir a público a informação de que a pasta comandada por ele monitorou, por meio da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), 579 servidores públicos, sendo grande parte policiais e professores universitários identificados com os chamados movimentos antifascistas. Tal acompanhamento daria origem a um dossiê, cujas intenções não estão esclarecidas, o que motivou uma ação no Supremo Tribunal Federal movida pelo partido Rede Sustentabilidade –– que, entre outras coisas, pedia a investigação sobre o envolvimento do ministro na elaboração do documento. A reação da Corte à solicitação contra Mendonça surpreendeu: não apenas os magistrados livraram-no de uma devassa, como não o relacionaram ao dossiê.
Os votos dos ministros indicaram que Mendonça conta com a simpatia da Corte, um indicativo favorável para quem é apontado como concorrente à vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta compulsoriamente a partir de 1º de novembro próximo –– outros nomes ventilados para a disputa são o do procurador-geral da República, Augusto Aras; o do ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência da República; e o do advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior. O Correio percorreu os bastidores do Supremo e conversou com magistrados e seus auxiliares para saber como está a avaliação de Mendonça para ocupar a vaga que se abre.
O presidente Jair Bolsonaro terá a possibilidade de indicar para a cadeira que ficará vaga no STF alguém da sua simpatia — Celso de Mello tem sido uma voz contundente contra o seu governo ––, que, antes, precisará convencer o Senado de que é um bom nome para completar o time de 11 ministros. Mendonça, que é pastor evangélico, teve uma atuação considerada de excelência na Advocacia-Geral da União (AGU), onde é servidor de carreira há mais de 20 anos. O critério religioso é levado em consideração pelo presidente, que, há meses, disse ter a intenção de nomear um “ministro terrivelmente evangélico” para a Corte.
Polêmicas
O titular da Justiça dissocia religião de trabalho e não se discute que siga orientações técnicas. No entanto, passa uma impressão voluntarista por ter defendido o governo em alguns episódios, algo que gerou incômodo no Supremo. Como a autoria de um habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, depois do bloqueio das contas dos radicais bolsonaristas nas redes sociais –– uma ação que, teoricamente, seria de competência da AGU. O ato causou estranheza ao partir de alguém com cargo no Poder Executivo, mas não configura ilegalidade, pois a Constituição faculta a qualquer pessoa entrar com habeas corpus em favor de si próprio ou de outro.
Um dos magistrados, ouvido sob a condição de anonimato, afirmou que, apesar do dossiê e de outras polêmicas, acredita que Mendonça é um bom nome para a vaga ocupada hoje por Celso de Mello. E avalia que iniciativas como a deste habeas corpus é apenas porque segue o protocolo do governo.
“Ele é um nome melhor do que os demais que são ventilados (Aras, Oliveira e Levi). É servidor de carreira, tem sua independência desde que ingressou no serviço público. O comportamento de hoje deve-se exclusivamente às suas funções no governo. Um ministro de Estado pode ser demitido a qualquer momento, como ocorreu com o antecessor dele (Sergio Moro). Acredito que, no Supremo, com a estabilidade e força do cargo, terá um comportamento técnico”, avaliou.
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Risco no plenário
O ministro da Justiça, André Mendonça, tem uma destacada carreira no Judiciário. Mas, na ação que questionou a elaboração do dossiê contra servidores públicos, a Rede Sustentatabilidade solicitou abertura de investigação, na Polícia Federal, contra ele e alguns dos seus assessores diretos. Caso fosse indiciado, perderia a necessária “reputação ilibada” para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Se, na seara política, Mendonça ficou ameaçado, na jurídica, saiu-se vencedor. A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, rejeitou a realização da apuração pedida pelo partido ao analisar o caso. E determinou a imediata suspensão de qualquer investigação com base nos aspectos pessoais, políticos e ideológicos de cidadãos. Foi seguida por outros oito magistrados.
O ministro Marco Aurélio Mello lembrou que, durante o julgamento do caso do dossiê, Mendonça foi defendido pelos colegas de Corte. Ao Correio, disse que, pessoalmente, não há resistência à indicação de Mendonça ao STF, mas frisou que a decisão cabe a Bolsonaro, com endosso do Senado, e que o titular da Justiça tem perfil e histórico para ocupar uma das cadeiras. “Ele foi advogado-geral da União, é ministro da Justiça. Está credenciado”, destacou.
Nos votos, Edson Fachin e Gilmar Mendes frisaram que o dossiê foi anterior à posse de Mendonça na Justiça. A fala final do presidente do Supremo, Dias Toffoli, foi ainda mais contundente na defesa do ministro, salientando que ele “atuou da maneira mais correta que pode atuar nesse sentido e deu toda a transparência a este Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
Mas, se Mendonça não for guindado à Corte em novembro, terá nova chance no próximo ano. É quando se aposentará o ministro Marco Aurélio, em julho.