Reforma administrativa

"O debate não pode vir apenas no sentido de cortar, reduzir gasto", diz presidente da Anafe

Para presidente da da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, a reforma administrativa tem que ser no sentido de aperfeiçoar o serviço público

Marina Barbosa
postado em 03/09/2020 06:00
 (crédito: Vinny C./CB/D.A Press)
(crédito: Vinny C./CB/D.A Press)

Em entrevista ao Correio, Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) crítica o momento escolhido pelo governo para debater a reforma administrativa. 


É o momento adequado para discutir a reforma administrativa?
Uma reforma tem que vir para aperfeiçoar o serviço público, visando o futuro. O debate não pode vir apenas no sentido de cortar, reduzir gasto, ainda mais agora, num momento em que todos estão passando dificuldade. Estamos no meio da pandemia, uma situação que demanda do Estado uma atuação mais forte, seja na área de saúde e segurança pública, quanto na fiscalização de programas como o auxílio emergencial. O debate deveria ficar para depois. As votações estão sendo feitas de forma virtual. E até agora os servidores públicos não foram ouvidos. Ninguém é contra o aperfeiçoamento do Estado, a racionalização de carreiras. Mas precisa-se de tempo. Como fazer isso com as eleições marcadas para novembro?

Qual o risco de discutir uma reforma de forma acelerada?
Da forma como está hoje, de forma remota, sem a possibilidade de os servidores subsidiarem os parlamentares da forma adequada… é uma situação complicada. Tem o risco de prejudicar os serviços públicos. Temos serviços de excelência, na Polícia Federal e na advocacia pública, por exemplo. E a maioria das carreiras tem aumentado a carga de trabalho na pandemia. Uma reforma administrativa feita de forma açodada, sem diálogo, pode enfraquecer esses órgãos de fiscalização, investigação e controle de legalidade. Pode até atrapalhar o combate à corrupção. A quem isso interessa?

Bolsonaro disse que a reforma não vai atingir os atuais servidores, diferentemente do que Guedes defendia anteriormente. Essa mudança pode reduzir esses impactos?
Bolsonaro determinou que seja apenas para servidores futuros. Só que não há nenhuma perspectiva de concurso público no futuro. Como a reforma vai ter uma solução fiscal se não vai atingir os antigos servidores? É uma contradição. Ficamos preocupados, porque sabemos que a ideia da equipe econômica e de alguns parlamentares, desde cedo, era atingir a todos.

Os servidores não foram ouvidos?
A gente não sabe nem sequer qual é a proposta de reforma administrativa. Não se tem, até o momento, pessoas que conheçam o serviço público participando desse processo. Muitos dos integrantes do governo, alguns, inclusive, pediram para sair, são pessoas que vieram da iniciativa privada, não têm experiência no serviço público e não têm condições de fazer uma análise global do serviço público num período tão curto. É preciso ter uma leitura de todo o serviço público, para não ter que reformar de novo daqui 3, 4, 5 anos. O certo é que tivéssemos participação na formulação da proposta e na tramitação no Congresso.

O Ministério da Economia diz que as despesas com funcionalismo pressionam o orçamento, tanto que o governo congelou o salário dos servidores até o próximo ano. Como conciliar os pagamentos do funcionalismo com a situação fiscal do Brasil?
Guedes mente quando fala isso. Ele se utiliza de falácias, fake news para justificar o encaminhamento da reforma administrativa. Não tivemos reajuste acima da inflação nos últimos anos. O último reajuste foi em 2014 e foi parcelado; quando acabou, a inflação já tinha levado tudo. Quando ele fala que existe ajuste automático, ele mente, porque não temos sequer a correção pela inflação. Além disso, se fizer uma análise sobre o custo de pessoal da União, está muito longe do limite fiscal da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O que tem no serviço público, na verdade, é a falta de reposição de pessoal, por falta de concurso. Não vejo o cenário que Guedes desenha. Guedes diz isso porque não quer enfrentar o que deve ser enfrentado de forma urgente, como a reforma tributária.

Como a Anafe vai contribuir para o debate?
Temos tratado do tema por meio do Fonacate (Fórum das Carreiras de Estado). Estamos fazendo cadernos sobre os diversos temas da reforma administrativa e mandando para os parlamentares. Também estamos discutindo com a Frente Parlamentar Mista da Reforma. Esperamos que o presidente e a maioria dos parlamentares tenham bom senso de ter essa leitura de que não é o momento adequado para tratar desse assunto. 

 

 

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