O limite entre a política e economia

ROSANA HESSEL MARINA BARBOSA
postado em 16/09/2020 06:00
 (crédito: EduAndrade/Ascom/ME)
(crédito: EduAndrade/Ascom/ME)

O debate em torno da criação do Renda Brasil sempre esbarrou na questão do teto de gastos porque o Orçamento de 2021 não tem margem fiscal para novas despesas. Ao afirmar que o programa substituto ao Bolsa Família virou “palavra proibida” no governo e foi enterrado até 2022, o presidente Jair Bolsonaro deixou dúvidas sobre como reduzir o impacto negativo do fim do auxílio emergencial em 2021 e ainda sinalizar ao mercado de que continuará com a agenda de responsabilidade fiscal prometida em campanha.

A emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior corre o risco de ruir em 2021, independentemente do Renda Brasil. O teto, segundo analistas, é a última âncora fiscal que restou. Se ela for flexibilizada ou descumprida, a confiança na capacidade do governo em controlar as despesas cai por terra, assim como as chances de manutenção dos juros em patamares baixos.

Como não há brechas no Orçamento de 2021 para o governo bancar o Renda Brasil como pretende Bolsonaro, os riscos de piora na desigualdade são grandes se o Bolsa Família não for ampliado. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do próximo ano, enviado ao Congresso no fim de agosto, reserva R$ 34,8 bilhões para o atendimento de 15,2 milhões de famílias no Bolsa Família. Mas, de acordo com economistas consultados pelo Correio, o Renda Brasil custará bem mais que isso, podendo chegar a R$ 95 bilhões. E, hoje, o governo não tem margem para remanejar esses recursos do Orçamento de 2021.

A falta de um programa de renda básica mais robusto do que o Bolsa Família levanta dúvidas também sobre a retomada da economia no ano que vem. Levantamento da MB Associados aponta que, sem esse benefício, o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, cairia 7,1% neste ano em vez dos 4,8% previstos na estimativa revisada da consultoria. E, em 2021, com o fim desse auxílio no valor de R$ 300, o PIB deve encolher 2,4%, “queda que deverá ser atenuada pela recuperação cíclica da economia”. “O governo não tem tempo para discussão sobre isso em um segundo semestre tão congestionado politicamente. O presidente não tem condições políticas de mudar o abono salarial e outros benefícios para criar o Renda Brasil”, acrescentou.

Outras fontes
Na avaliação de Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), ampliar o Bolsa Família é uma medida eficaz no combate à pobreza, que vai aumentar no ano que vem com o fim do auxílio emergencial. Neri estima que, pelo menos 13 milhões de pessoas que subiram de faixa de renda este ano devem retornar às faixas D e E no ano que vem. “O Bolsa Família é a solução fiscalmente mais eficiente de combate a pobreza”, recomendou. “Mas, no imaginário popular o salário mínimo é a grande política de combate à pobreza. Transferências de renda vinculadas ao mínimo são piores que o Bolsa Família, a começar pelo BPC”, emendou.

Nas últimas semanas, a equipe econômica buscou formas de remanejar outros recursos para financiar o Renda Brasil. O problema é que as propostas são inviáveis politicamente. Especialistas avaliam, contudo, que o governo poderia encontrar uma forma de bancar o Renda Brasil se decidisse taxar os mais ricos. “Taxação de dividendos, de heranças e de grandes fortunas, por exemplo, seria uma alternativa”, destaca José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Ele não vê, no entanto, disposição do governo.


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