A inusitada visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a um campo de acolhimento de venezuelanos refugiados em Boa Vista (RR) foi uma evidente provocação política, cujo objetivo é escalar as tensões entre a Venezuela e seus vizinhos. E, com isso, dar uma mãozinha para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump, que está perdendo a reeleição para o candidato do Partido Democrata, Joe Biden. O Brasil armou o circo porque interessa ao presidente Jair Bolsonaro a vitória de seu amigo republicano. A eleição de um democrata provocaria o colapso da política externa desenvolvida pelo chanceler Ernesto Araújo, considerada um desastre por seus colegas mais experientes do Itamaraty.
O que o Brasil ganhará em troca? Em princípio, 30 moedas, ou seja, US$ 30 milhões para auxiliar a assistência social aos imigrantes. Não chega nem perto do que estamos perdendo em investimentos em razão da política ambiental de Bolsonaro, embora o presidente da República diga que é a melhor do mundo. Só no Fundo da Amazônia, Noruega e Alemanha, que suspenderam seus investimentos, foram responsáveis por 99% dos R$ 3,3 bilhões destinados à proteção da Amazônia. Voltemos à visita de Pompeo. O secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente Nicolas Maduro. Todo presidente dos Estados Unidos que está perdendo as eleições gosta de exibir seus músculos na política externa.
Do Brasil, Pompeo viajou para a Colômbia, cuja fronteira com a Venezuela é o ponto mais quente das tensões na América do Sul. O presidente Ivan Duque é outro aliado incondicional de Trump, que mantém assessores e aviões norte-americanos em território colombiano. Antes, Pompeu havia estado no Suriname e na Guiana, que também vive um estresse com a Venezuela, com o agravante de que sua fronteira nunca foi reconhecida pelos venezuelanos. Na Guiana, Pompeo voltou a criticar Maduro: “Sabemos que o regime de Maduro dizimou o povo da Venezuela e que o próprio Maduro é um traficante de drogas acusado. Isso significa que ele tem que partir”, afirmou. Para a situação política no país vizinho, a provocação só teria consequência prática se houvesse uma intervenção. Afora isso, fortalece a unidade das Forças Armadas venezuelanas e endossa a narrativa de Maduro para reprimir a oposição.
Operação Amazônia
Entretanto, vejam bem, a declaração que Pompeo deu em Boa Vista (RO) foi enigmática quanto ao que os Estados Unidos pretendem realmente fazer. Questionado sobre quando o ditador Nicolás Maduro deixará o poder, respondeu que em casos como a Alemanha Oriental, Romênia e União Soviética, todo mundo fazia a mesma pergunta. “Quando esse dia vai chegar? Ninguém imaginava, mas aconteceu”. Pompeo é ex-diretor da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, que se especializou em conflitos entre países vizinhos e guerras civis.
Republicano, Pompeo é um político reacionário do Kansas, que se destacou no Congresso norte-americano por combater o movimento LGBTQIA+. Também foi um dos proponentes de um projeto de lei que proibiria o financiamento federal de qualquer grupo que realizasse abortos, e outro que incluiria nascituros entre os categorizados como “cidadãos” pela 14ª Emenda. Ele também votou a favor da proibição de informações sobre o aborto em centros de saúde escolares e pela proibição de financiamento federal à Planned Parenthood e ao Fundo de População das Nações Unidas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em razão das declarações de Pompeo, emitiu uma nota com duras críticas à visita do secretário de Estado. Deve saber de mais coisas sobre a conversa entre secretário norte-americano e o chanceler brasileiro. A visita também coincide com a mobilização de tropas, equipamentos e armamentos para a Operação Amazônia, que faz parte do Programa de Adestramento Avançado de Grande Comando (PAA G Cmdo), envolvendo mais de 3.000 militares, de cinco comandos diferentes. A operação será realizada nas proximidades de Manaus, até 23 de dezembro, portanto, bem longe da fronteira com a Venezuela.
O Ministério da Defesa e os comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica nunca foram favoráveis à escalada de tensões com a Venezuela, embora tenhamos mais homens, tanques, embarcações e aviões do que o país vizinho. As vantagens venezuelanas são os 24 caças SU-30, os helicópteros Mi-17, os tanques T-92 e os mísseis S-300, capazes de atingir com precisão alvos a 250km, todos de fabricação russa e entre os melhores do mundo. Mas, o grande trunfo de Maduro é o apoio ostensivo do presidente Vladimir Putin, da Rússia, que adora jogar uma boia para ditadores que estão se afogando, e a discreta, mas robusta, ajuda econômica da China. Na proposta de atualização da Política Nacional de Defesa, enviada pelo governo ao Congresso, pela primeira vez, desde a Guerra Malvinas, o Brasil admite a possibilidade de um confronto militar com um país vizinho.
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