O presidente Jair Bolsonaro tem visto a sua popularidade crescer nos últimos meses e quer garantir que esse bom momento não seja algo passageiro. Para isso, o chefe do Executivo tem tomado o cuidado de tentar desvincular o nome dele de propostas que possam significar uma afronta para a população ou repercutir de forma negativa entre os seus eleitores. Os movimentos de Bolsonaro são minimamente calculados, especialmente por causa da sua pretensão de se reeleger em 2022. Com sede de poder, o presidente fará de tudo para manter a boa imagem até o próximo pleito presidencial, mesmo que para isso ele tenha de desagradar aos seus próprios comandados
Os sinais mais claros disso aconteceram na última semana. Para seguir em alta com os brasileiros mais pobres, que passaram a apoiá-lo por conta do sucesso do auxílio emergencial, Bolsonaro criticou o Ministério da Economia por sugerir cortar benefícios da população menos abastada como forma de viabilizar a criação do Renda Brasil, programa social que deve substituir o Bolsa Família. Além disso, para manter mobilizada a sua base de apoio mais fiel, disse ser a favor do afrouxamento das regras tributárias para igrejas e templos, o que também não encontra respaldo na equipe econômica.
Contudo, como os temas causaram ruído dentro do Executivo, o presidente decidiu transferir a responsabilidade para o Congresso Nacional. Deu aval para que o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento para 2021, construa um novo programa de transferência de renda e incitou os parlamentares a darem a palavra final sobre o projeto de lei que permite o perdão de dívidas tributárias a instituições religiosas — Bolsonaro até orientou a derrubada do seu veto à proposta, que só foi estabelecido para que ele não respondesse a um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal.
Para evitar um desgaste desnecessário à sua gestão, o presidente espera que deputados e senadores levem o tempo que for necessário para concluir as propostas e tomem “a decisão correta” por ele. A ideia do chefe do Executivo é poupar-se de episódios como o da última terça-feira, quando fez um desabafo público sobre o Ministério da Economia pela proposta de congelar aposentadorias e pensões como alternativa para abrir espaço no Orçamento ao Renda Brasil. “Quem porventura vier a propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa”, advertiu o chefe do Planalto.
Sinais trocados
No Congresso, o comportamento de Bolsonaro é visto com ceticismo por parte de alguns parlamentares. A avaliação de deputados e senadores é de que o presidente está disposto a fazer tudo para seguir no Palácio do Planalto até 2026, apesar de não ter completado nem metade do seu primeiro mandato ainda. Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), a possibilidade de reeleição é um problema, pois ela “desencadeia a perversão das primeiras finalidades de um governo”.
Ele destaca que Bolsonaro já não demonstra mais se preocupar tanto com o “receituário liberal”, de promessa de ajuste fiscal e contenção da máquina pública, que o elegeu há dois anos. “Temos um presidente em franca caminhada para a sua tentativa de reeleição. Portanto, muitas das decisões que estão sendo tomadas se devem mais ao candidato à reeleição do que ao presidente Jair Bolsonaro”, opina.
“Quando o presidente se mostra, agora, desenvolvimentista, tendo um ministro da Economia com perfil nitidamente ultraliberal, não dá, evidentemente, para se vislumbrar qual é o perfil desse governo. O presidente faz de tudo para a expansão das contas públicas, objetivando a reeleição, enquanto o ministro da Economia procura reduzir o tamanho do Estado, objetivando o ajuste fiscal. São sinais trocados no mesmo governo. Isso é ruim para o país”, acrescenta o deputado.
Trad acredita ser negativa a sinalização que Bolsonaro passa para a sociedade com esse tipo de atitude. Para o deputado, o presidente coloca o país em perigo ao assumir o risco de degradar as contas públicas para que, em um eventual segundo mandato, possa minimizar os danos causados “pelo seu desejo infrene de reeleição”. “Estamos prestes a perder o controle das contas públicas, ver a volta da inflação e a degradação total da nossa economia. Bolsonaro tem mais a perder, porque as instituições, incluindo o mercado, não veem com bons olhos esse tipo de comportamento”, observa o parlamentar.
O senador Major Olímpio (PSL-SP), por sua vez, diz que Bolsonaro pode fracassar em querer agradar a todos. Além disso, ele critica a desistência do presidente de chancelar assuntos polêmicos e de ter “jogado a bomba” para o Congresso. “Ele está se tornando o capitão Pôncio Pilatos. Qualquer circunstância que possa exigir uma postura de governante, ele lava as mãos e promove situações ridículas, deixando o problema para o Parlamento. No final, se der certo, ele vai querer ficar com os créditos. Se der errado, vai dizer que a culpa é nossa”, pondera. “Para Bolsonaro, não existe interesse público. Existe o interesse dele apenas no seu projeto de poder”, finaliza.
Mudanças
Cientistas políticos ressaltam que o fato de Bolsonaro ir contra a própria equipe é um ponto bastante negativo, pois a impressão que fica é a de que há uma descoordenação nas engrenagens do governo e que o presidente não tem autoridade suficiente para ser comunicado sobre as decisões da sua equipe.
“O desentendimento sobre o Renda Brasil evidenciou um ruído entre a economia e o Executivo. O secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, veio a público apresentar uma proposta que depois foi rechaçada por Bolsonaro. Mostra que não houve entendimento prévio antes de apresentar”, constata o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) Paulo Kramer.
Para evitar ainda mais prejuízos à sua imagem, Bolsonaro precisa deixar de lado, também, os desabafos públicos, que apenas fazem com que ele tome decisões precipitadas. “Bolsonaro fez uma reflexão imediata em função do péssimo impacto das hipóteses cogitadas para custeio do programa. Teve uma reação impensada e, tentando baixar a fumaça e evitar que o incêndio prosperasse, colocou um basta. Mas, como é rotineiro no governo, rapidamente deu um ‘cavalo de pau’ e pediu estudos para criar um novo projeto”, comenta o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.
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