Com apenas duas semanas no comando da mais alta Corte do país, o ministro Luiz Fux deixa claro que haverá uma mudança profunda na maneira de gerir o Supremo Tribunal Federal (STF). Seu primeiro ato foi restringir uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que orientava magistrados de todo o país a afrouxar as penas de detentos em razão da pandemia de coronavírus, que se espalha pelo mundo, inclusive entre o sistema penitenciário brasileiro. A restrição foi aplicada a autores de crimes hediondos, ou seja, contra a vida, e para envolvidos em corrupção, que praticaram atos previstos na Lei das Organizações Criminosas, como lavagem de dinheiro. A conduta do presidente do Supremo mostra semelhanças com ideais e perfis de integrantes da Operação Lava-Jato.
Ainda em seu discurso de posse, Fux afirmou que não aceitaria retrocessos no combate à corrupção, e citou a Lava-Jato. A decisão de restringir a liberação de presos não deve ser a primeira alinhada com os interesses de integrantes da operação. O magistrado demonstrou que a prisão em segunda instância, que atualmente está proibida por decisão do plenário, pode ser revista. Na época do julgamento do tema pelo Supremo, procuradores pró-Lava-Jato em diversos estados criticaram a derrubada do dispositivo, alegando que poderia representar o fim das ações contra crimes de colarinho-branco.
A possibilidade de retorno ao debate sobre a prisão antes do fim do processo levantou reações entre os integrantes do plenário. O ministro Marco Aurélio Mello, que, na época, era relator das ações que questionavam a prisão em segundo grau de Justiça, enviou ofício a Fux, destacando que houve ampla base jurídica para a decisão do plenário, que, na ocasião, seguiu, por maioria, o voto proferido por ele. “Faço-o por dever de ofício, porquanto autor do voto condutor”, escreveu Mello no documento encaminhado ao colega. Fux não respondeu formalmente sobre o tema.
O cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que, embora tenha começado a gestão com assuntos controversos, a posição de Fux não representa uma surpresa. “A postura do ministro Fux é claríssima. Ele é muito alinhado a essa corrente, chamada de lavajatista. A prisão em segunda instância foi um dos pilares que viabilizou o sucesso da Lava-Jato. A posição dele, como presidente do STF, pode influenciar, especialmente, pelo poder de controlar a pauta dos julgamentos. Se o presidente entender que se criou um movimento favorável para derrubar a decisão atual, ele pode colocar na agenda e fazer valer esse poder de controlar o julgamento. Vai haver mais embate e discussão sobre esse tema, que não é simples”, destaca.
O mandato de Fux começou em meio a um capítulo marcante da história. Ele ascende ao cargo em meio à maior pandemia da história, que também cria desafios jurídicos e sociais. A cerimônia de posse, no dia 10 deste mês, tornou-se um foco de disseminação do coronavírus no Poder Judiciário. Além dele, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e outros três magistrados testaram positivo após participar do evento. Partiu dele a decisão de realizar um ato presencial.
Interferência
Antes de completar o primeiro mês no cargo, Fux tem uma grande saia justa para resolver. Na semana passada, o ministro Marco Aurélio Mello atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e suspendeu a tramitação de um inquérito que corre na Corte contra o presidente Jair Bolsonaro. Ele é suspeito de tentar interferir na Polícia Federal para beneficiar parentes e amigos. Ao decidir sobre o caso, Marco Aurélio também revisou a decisão anterior do decano, Celso de Mello, que determinou que a oitiva do chefe do Executivo fosse realizada presencialmente.
Bolsonaro alega que tem direito, em razão do cargo, a prestar esclarecimentos por escrito, como ocorreu no caso do ex-presidente Michel Temer. Marco Aurélio mandou o assunto para ser decidido em plenário, sobre a forma de coleta do depoimento. No entanto, Celso de Mello deve retornar dia 26 e, caso a ação seja pautada antes do retorno dele, será criado um clima de acirramento no tribunal. Interlocutores do presidente do Supremo afirmam que ele deve ouvir o colega informalmente, antes que a licença médica termine.
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