A passagem do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, por Roraima, não só renovou as críticas à política externa do governo de Jair Bolsonaro, como pode atrapalhar a retomada das atividades presenciais do Senado, prevista para hoje. É que o primeiro compromisso presencial dos senadores é destravar a indicação de 34 embaixadores brasileiros. Porém, um grupo de parlamentares avalia que o momento não é de fazer votações desse tipo, mas de rever a postura do Itamaraty. Por isso, ameaça não comparecer às sabatinas.
O Correio apurou que mais da metade dos 19 titulares da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado pediu o adiamento da votação. Eles reclamam que o governo Bolsonaro adota uma política de subserviência aos Estados Unidos que ameaça a soberania e a defesa brasileira. E dizem que a “submissão” ficou clara nesta semana, quando Mike Pompeo usou um palanque montado em solo brasileiro para fazer duras críticas ao governo da Venezuela, com quem, lembram os parlamentares, o Brasil compartilha mais de 2 mil quilômetros de fronteira.
“A sociedade, a diplomacia e o Parlamento estão abismados com a acelerada degradação da nossa política externa, que coloca em risco a soberania e a defesa. Não é hora de o Senado aprovar embaixadores em massa. Sejamos responsáveis. É urgente fazer um balanço do Itamaraty”, reclamou o senador Telmário Mota (Pros-RR), um dos que pediram a suspensão da votação de hoje. “Nossa política externa não vai bem. Devemos deixar votação de embaixador para depois e reposicionar o Itamaraty”, reforçou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), nas redes sociais.
Para Calheiros, até ex-chanceleres brasileiros clamaram para que “o Senado exerça seu papel e vele pelo artigo 4º da Constituição”, segundo o qual as relações internacionais brasileiras devem ser regidas por princípios como a independência nacional, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção e a defesa da paz. O senador referia-se a uma nota conjunta divulgada ontem pelos ex-chanceleres Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer, Francisco Rezek e José Serra.
Na nota, os ex-chanceleres lembram que foram os “responsáveis pelas relações internacionais do Brasil em todos os governos democráticos desde o fim da ditadura militar” e salientam que “temos a obrigação de zelar pela estabilidade das fronteiras e o convívio pacífico e respeitoso com os vizinhos, pilares da soberania e da defesa”. “Nesse sentido, condenamos a utilização espúria do solo nacional por um país estrangeiro como plataforma de provocação e hostilidade a uma nação vizinha”, acrescentam.
Os ex-ministros das Relações Exteriores ainda congratularam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que repudiou a visita de Pompeo e foi criticado pelo atual chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, por conta disso. E pediram que, dando sequência a essa posição de Maia, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal “exerçam com plenitude as atribuições constitucionais de velar para que a política internacional do Brasil obedeça rigorosamente no espírito e na letra aos princípios estatuídos no Artigo 4º da Constituição Federal”.
Presidente da CRE do Senado, Nelsinho Trad (MSD-MS) confirmou que muitos senadores ameaçaram não comparecer à votação de hoje. Porém, está tentando convencê-los a mudar de ideia, apesar de também classificar o episódio de Pompeo como “lamentável”. “A comissão vai avaliar a competência de diversos servidores de carreira do Itamaraty de servir ao país, na sua melhor das intenções. Esses diplomatas não têm culpa pelo que aconteceu e não devem ser penalizados”, justificou Trad. Ele lembrou que muitas das 34 indicações aguardam a avaliação do Senado há meses e ressaltou que, devido à pandemia de covid-19, o Senado pode não ter outra oportunidade de destravar essas indicações tão cedo.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), um dos que criticaram a “invasão do nosso território por um representante norte-americano”, entendeu o recado. “Alguns senadores não estão dispostos a votar, mas não vou ser radical. Porém, não podemos aceitar submissão, nem ficar nos ajoelhando aos pés do governo dos Estados Unidos, como faz de forma aberta o ministro Ernesto Araújo, querendo ajudar a eleição de Trump”, avisou Alencar. Trad admitiu, contudo, que será preciso aguardar o início da sessão de hoje para ver se os demais senadores vão seguir o plano e votar as indicações ou vão suspender a deliberação em protesto à postura do Itamaraty.
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Bolsonaro defende EUA
Apesar do impasse político e diplomático, o presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa do governo americano ontem. Nas redes sociais, o chefe do Executivo também elogiou as ações coordenadas pelo governo brasileiro para acolhida dos venezuelanos “que fugiram do regime comunista”.
Bolsonaro disse que a visita do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeu, à Operação Acolhida, em Roraima, ao lado do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, “representa o quanto nossos países estão alinhados na busca do bem comum”. Ele também parabenizou o presidente americano, Donald Trump, “pela determinação de seguir trabalhando, junto com o Brasil e outros países, para restaurar a democracia na Venezuela”.
Coincidência
O presidente ainda usou as redes sociais para mostrar que, apesar das queimadas seguirem avançando no Pantanal e do seu avião ter arremetido por conta disso na semana passada, “por coincidência as chuvas chegaram no sábado” a Mato Grosso. Depois, voltou a circular em Brasília.
Sem máscara, Bolsonaro reuniu-se a um grupo de gaúchos que também não usava a proteção e fazia um churrasco para celebrar o Dia do Gaúcho no Piquete do Eixão. O presidente comeu um pouco de carne e tirou fotos com apoiadores. “Com a gauchada no Piquete do Eixão em Brasília”, comentou, ao postar uma dessas fotos no Twitter.