Bolsonaro na ONU

Aliados aprovam mensagem

Discurso do presidente está alinhado ao pensamento de ministros militares que integram o governo. Estratégia é insistir no posicionamento contra a "guerra da desinformação". Parlamentares saem em defesa do auxílio emergencial

VICENTE NUNES LUIZ CALCAGNO
postado em 23/09/2020 01:21
 (crédito: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO)
(crédito: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO)





A ala militar do governo aprovou com louvor o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU), ontem. Estão todos em êxtase, como diz um integrante do governo. “Foi tudo o que esperávamos. O presidente marcou posição, atacou críticos, sem ser agressivo”, acrescenta. Todo o discurso do presidente passou pelo crivo dos ministros militares, que, bem antes da participação dele na Assembleia-Geral da ONU, já vinham expressando a posição que seria apresentada pelo chefe de governo. “Creiam, atingimos nosso objetivo. O que estão fazendo com a imagem do Brasil é um crime”, ressalta um militar.

Na avaliação dos ministros militares, quem apoia o governo entendeu perfeitamente os recados. “E temos certeza de que aqueles que têm dúvidas ante a campanha internacional contra o Brasil passaram, agora, a comungar das posições do presidente”, acrescenta o mesmo militar.

Os militares acreditam que o governo conseguirá, com a postura mais firme de Bolsonaro, “mostrando a verdade”, reverter a imagem horrível que o Brasil está no exterior. “Não temos dúvidas de que demos visibilidade à nossa posição. O discurso do presidente foi um contraponto importante”, diz um assessor do Planalto.

O próprio presidente, em conversa com militares, disse acreditar que seu discurso na ONU teve o efeito esperado e abriu espaço para o governo se posicionar de forma mais enfática no exterior. A determinação é repetir o discurso sempre que possível, até “virar verdade”. Dentro dessa estratégia, o Planalto escalou as representações do país no exterior para mapear toda a repercussão do discurso de Bolsonaro lá fora. Com base nas análises desses dados, serão definidas estratégias de comunicação para reverter o pessimismo com o Brasil.

“Estamos numa guerra de desinformação, e entramos nela certos de que podemos sair vencedores. A fala do presidente na ONU foi só o começo dessa batalha”, frisa o mesmo assessor.

Defesa no Congresso
No Congresso, o discurso do presidente ganhou a defesa de deputados bolsonaristas e membros do governo. Em seu perfil oficial no Twitter, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, chamou Bolsonaro de “comandante” e repetiu o lema do chefe do Executivo. “Assisti ao discurso do nosso Comandante/Presidente @jairbolsonaro na Assembleia-Geral da ONU ao lado de colegas ministros e líderes do Governo. Senti um orgulho muito grande de pertencer a esse time! Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”

Já o assessor-chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do governo, Filipe Martins, fez uma publicação em inglês na qual afirmou que o presidente mostrou sua liderança e chamou o mundo para reconhecer a perseguição contra cristãos, chamada pela ala evangélica do governo de “cristofobia”. Ainda de acordo com o assessor, é preciso levantar a voz e agir contra o suposto acossamento a essa parcela da população. Já o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ), também pelo Twitter, defendeu que Bolsonaro estaria “combatendo as narrativas falaciosas sobre o Brasil”.

Para o grupo, a principal polêmica girou em torno dos supostos US$ 1 mil que teriam sido pagos pelo governo aos beneficiários do auxílio emergencial para informais. O deputado federal Major Vitor Hugo (PSL-GO) chegou a apresentar cálculos para tentar convencer que o presidente teria realmente pago a quantia. Já a colega de bancada, Carla Zambelli (SP), apresentou números diferentes para chegar à mesma conclusão. Em ambos os casos, os parlamentares desconsideraram o fato de que nem todas as parcelas foram pagas e que nem todos os beneficiários receberão todas as parcelas.

Apesar disso, o cálculo se mostrará correto no caso das mães solteiras que receberem todas as parcelas dobradas, o que, no entanto, ainda não ocorreu. Vitor Hugo provocou: “Muitos esquerdistas falando sobre os 1.000 dólares do auxílio emergencial, citados pelo PR @jairbolsonaro no discurso na ONU. É compreensível... Eles não sabem fazer contas. A não ser para dividir propinas e quebrar estatais quando estão no poder. #BolsonaroONU Compartilha aí”.

Werther Santana/Estadão Conteúdo
“Assisti ao discurso do nosso comandante/presidente na Assem bleia-Geral da ONU ao lado de colegas ministros e líderes do governo. Senti um orgulho muito grande de pertencer a esse time! Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”

General Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo

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Oposição: discurso é mentiroso

 (crédito: Sergio Lima/CB/D.A Press)
crédito: Sergio Lima/CB/D.A Press

Bolsonaro pode ter sido bem sucedido para apoiadores ao discursar na Organização das Nações Unidas (ONU). Porém, foi visto com reservas no Congresso, onde o governo trabalha para negociar vetos e projetos de lei e vem se esforçando para criar um corpo de líderes mais pragmáticos e eficazes que a tropa de choque ideológica do presidente. Deputados e senadores de diferentes partidos demonstraram incredulidade com a narrativa construída pelo mandatário em um plenário acompanhado por chefes de estado de todo o mundo.

Os questionamentos incluem a veracidade de parte das informações citadas pelo presidente sobre os incêndios florestais na Amazônia e no Pantanal. Para governistas, ao citar o problema, Bolsonaro sinalizou preocupação com o meio ambiente, mas também com a soberania do país. No Twitter, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), considerou “impecável” o discurso, que assistiu ao lado do presidente. A fala esclareceu “posições de governo com ênfase no meio ambiente”, escreveu. Já a oposição criticou na íntegra o pronunciamento.

Única indígena entre os parlamentares, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) fez questão de mostrar “total indignação” e “repudiar da forma mais veemente possível o discurso vergonhoso do presidente”. “Bolsonaro demonstrou uma postura irresponsável e ao mesmo tempo leviana ao culpar os povos indígenas pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal. Isso prova que há um presidente despreparado, que há uma incompetência e uma ausência na política ambiental e indigenista para o Brasil”, concluiu.

Os deputados também apontaram inconsistências no valor que Bolsonaro disse ter pago como auxílio emergencial. O “show de mentiras”, nas palavras do líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), inclui dizer que as três parcelas do benefício mensal de R$ 600 somaram US$ 1 mil. “Ou o presidente não sabe o que ele pagou, ou ele não sabe fazer conta, ou ele não sabe o valor do dólar. Ainda escondeu do mundo que quer baixar pela metade o valor da parcela”, disse em plenário.

No Senado
O senador Lasier Martins (Podemos-RS) afirmou que o discurso de Bolsonaro foi “equivocado”. “Uma pena que ele não esteja sendo fiel à realidade que vivemos na Amazônia. Foi irreal. Ele está sendo muito criticado (no Senado)”, lamentou. Ex-aliado de Bolsonaro, o senador Major Olímpio (PSL-SP) destacou que o presidente fez o Brasil parecer ridículo aos olhos de outras nações. O parlamentar lembrou que elevar o valor do auxílio emergencial para US$ 1 mil foi incompetência ou má intenção, já que se trata de um valor verificável.

“É uma gozação descarada. O discurso em relação às queimadas, culpando índios e caboclos também não se mostra verdade. Dizer que o incêndio no Pantanal é só pelas altas temperaturas? E o desmonte da fiscalização, aplicação de penalidade, que virou um facilitador para criminosos? A forma que o presidente se manifestou sobre como governo encarou a covid aqui, ele fez o mesmo discurso falacioso que só não atuou mais por decisão do Supremo, o que também não é verdade. Vejo com tristeza. Ele tinha que ter uma assessoria mais efetiva, um texto mais condizente, evitar essas coisas tão escrachadas. É decepcionante”, disse.


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