Por 9 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu, nesta quinta-feira (24), o uso da Força Nacional em dois municípios da Bahia sem autorização do governo estadual. Os magistrados julgaram o caso em que as tropas foram enviadas pelo ministro da Justiça, André Mendonça, a pedido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para desocupar assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
A decisão não tem repercussão geral, ou seja, não será aplicada automaticamente em outros casos, mas abre precedente para que outras situações parecidas sejam avaliadas conforme esta decisão. O plenário analisou uma liminar concedida pelo ministro Edson Fachin, que no último dia 22, determinou a retirada, em 48 horas, da Força Nacional da região.
O magistrado entendeu que a forma federada do Estado não permite intervenção neste nível, sem que exista fundadas razões. "Uma vez que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem atribuído significativo peso argumentativo à autonomia dos Estados-membros, pareceu-me que a mobilização de força de segurança pública em território estadual, ressalvado ulterior juízo de mérito, implicava grave ameaça ao equilíbrio da Federação", disse Fachin, em seu voto.
Fachin também lembrou que o envio dos militares colocou em risco quem vive nos assentamentos, em razão da possibilidade de contaminação das famílias por covid-19.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a operação de retirada é de elevada gravidade, e não pode ser autorizada por um ministro de Estado, passando por cima do poder de uma autoridade eleita, como é o governador. “Eu não posso imaginar que um agente político, como é o ministro da Justiça, mero auxiliar do presidente da República, como consta da Constituição Federal, possa desencadear uma operação de tal gravidade, passando por cima de um governador eleito e passando por cima da autonomia constitucionalmente garantida aos entes federados, sobretudo nessa delicadíssima área que é da segurança pública", disse.
O ministro entendeu ainda que a mesma regra deve valer para o uso das Forças Armadas ou da Polícia Federal. "A intervenção de uma força federal, seja ela das tradicionais Forças Armadas, ou da PF (Polícia Federal), a partir da determinação de um ministro de Estado absolutamente não me parece possível. Pontualmente, se a União tiver um interesse lesado, ela que bata às portas do Poder Judiciário e obtenha o auxílio da força, como sói acontecer num estado democrático”, completou.
Por meio do advogado-geral da União, José Levi, o governo argumentou que o governo federal agiu para proteger seu território, o que justificou o emprego dos militares. "Não reconhecer à União a possibilidade de defender o próprio patrimônio, seria afirmar que a União não poderia funcionar senão amparada nas muletas que lhe fornecessem outro ente", destacou.
O ministro Alexandre de Moraes adotou tom mais crítico e definiu a mobilização das tropas federais sem aval do governador como uma maneira de invadir a competência do governo estadual. No entendimento dele, a Polícia Militar poderia ser usada na missão. “Isso é uma intervenção branca, mandar tropas armadas ao estado. ‘Ah, mas havia grave comprometimento a ordem pública’. Veja, grave comprometimento a ordem pública tem previsão constitucional, exatamente a intervenção. É tão grave a possibilidade de substituição das forças policiais estaduais, o comando dessas forças pela União que a Constituição só permite no caso de intervenção federal, que foi o que ocorreu no Rio de Janeiro. Não é possível uma intervenção branca, uma substituição das polícias militares", destacou.
Tensão
Os assentamentos que foram alvos da ação, localizados nas cidades de Prado e Mucuri, passam por um processo de titularização e está previsto no plano de reforma agrária. De acordo com o governo federal, a mobilização ocorreu para retirar do local cerca de 100 pessoas que não são beneficiárias da reforma agrária e "entraram irregularmente no assentamento Jacy Rocha, na semana passada, para impedir que os servidores do Incra atuassem no desenvolvimento das atividades típicas da instituição e na promoção de suas políticas públicas".
O Incra havia informado que "enquanto não houver a titulação definitiva das famílias, os assentamentos implantados pelo órgão são áreas federais, e que as famílias lá instaladas estão subordinadas a cláusulas que lhe garantem direitos e deveres de acordo com as normas do Programa Nacional de Reforma Agrária".
No dia 28 de agosto, oito pessoas ficaram feridas, e um trator e uma moto foram incendiadas em um ataque na região - sendo que duas casas também foram destruídas. O Ministério Público Federal (MPF) ingressou na Justiça pedindo a retirada da Força Nacional e propondo a realização de audiências públicas para promover o acordo entre as partes.
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