Eleição

Rio vive cenário peculiar em 2020 com Witzel afastado e Crivella inelegível

Com um governador afastado e um prefeito inelegível até 2026, o Rio de Janeiro se encontra em situação política peculiar. Em visita ao estado onde fez carreira como parlamentar, presidente Bolsonaro sinaliza que pretende aumentar influência no colégio eleitoral

Sarah Teófilo
postado em 25/09/2020 06:00 / atualizado em 25/09/2020 08:26
 (crédito: AFP / MAURO PIMENTEL)
(crédito: AFP / MAURO PIMENTEL)

Um dos colégios eleitorais mais importantes do país, o Rio de Janeiro vive uma situação peculiar: está com um governador afastado à beira do impeachment e o prefeito da capital estadual inelegível até 2026. Mais do que uma situação local, o futuro político dos dois representantes do Executivo fluminense é de grande interesse do Palácio do Planalto. Político com longa carreira no Rio de Janeiro até se tornar presidente da República, Jair Bolsonaro dedica especial atenção em eliminar a trajetória do desafeto Witzel e aumenta a influência política do clã no estado.

Em junho, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aceitou, por unanimidade, o processo de impeachment contra o governador afastado Wilson Witzel (PSC). Mais de três meses depois, com o político já afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e mais informações relativas ao suposto envolvimento dele em esquema na Saúde, os deputados estaduais repetiram o placar: 69 a 0. Em situação bem diferente, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), acossado por denúncias de corrupção, conseguiu barrar dois pedidos de impeachment em um período de 15 dias. É na Justiça que o prefeito do Rio enfrenta sérios obstáculos para o seu projeto político.

Analistas ouvidos pelo Correio apontam as diferenças entre Crivella e Witzel. O primeiro foi senador por duas vezes, tem uma base sólida entre evangélicos, ocupa a prefeitura há quase quatro anos e construiu uma base política na Câmara dos Vereadores. Witzel, por outro lado, entrou para o governo quando ninguém imaginava que pudesse ser eleito. Ex-magistrado e sem histórico na política, conquistou o eleitorado com um discurso moralizador e venceu o veterano Eduardo Paes.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis desconhece o afastamento de um chefe do Executivo de forma tão inequívoca como a de Witzel. Para ele, o gesto da Assembleia Legislativa mostra que o governador afastado não teve nenhum tipo de relação com parlamentares, nem mesmo com aqueles que se elegeram com ele. O ex-magistrado não possui, tampouco, um eleitorado fiel. Witzel, segundo Dinis, beneficiou-se da rejeição dos eleitores aos políticos do “sistema” — ou seja, aqueles que rejeitaram os outros candidatos e viram em Witzel uma possibilidade. “Ninguém sabia quem ele era”, comenta.

Quase dois anos depois, os ventos favoráveis a Witzel acabaram. Na última quarta-feira, o clima entre os deputados estaduais foi de unanimidade para dar prosseguimento ao processo de impeachment. Independentemente do que o acusado falasse em sua defesa, o entendimento era de que não havia clima político para livrar o governador. Até amigos pessoais de Witzel, como Bruno Dauaire (PSC) — que chegou a ser escolhido como líder do governo em julho, mas não assumiu —, e Rodrigo Amorim (PSL), votaram contra ele. A ausência de uma base fiel foi comentada pelos parlamentares. Chicão Bulhões (Novo) disse que o governador não se relacionou com a Alerj e “nem sequer governou o estado do Rio”.

Apesar de pontuar também que a grande diferença entre Witzel e Crivella está na base política nas Casas Legislativas, o cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Ricardo Ismael pondera que é preciso diferenciar os casos de ambos. Enquanto as denúncias contra Witzel são mais robustas, com afastamento no STJ, o de Crivella, relativa à suspeita de “QG” de propina na prefeitura, por exemplo, teve até o momento uma busca e apreensão contra o gestor municipal. “Isso diferencia o caso do Witzel”, afirma. Em relação à denúncia dos “Guardiões do Crivella” (servidores da prefeitura que iam a portas de unidades de saúde atrapalhar reportagens que denunciavam problemas), ele diz que apesar de grave, é bem diferente do que é imputado a Witzel.

Blindado na Câmara, Crivella agora sofre no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que terminou, ontem, julgamento que decidiu por unanimidade, por 7 votos a 0, declará-lo inelegível até 2026 por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. Conforme decisão, o juiz eleitoral responsável pelo registro das candidaturas precisa ser informado de forma imediata.

Em nota, a defesa do prefeito, que já se lançou candidato à reeleição, informou que estuda um pedido de anulação da votação. A defesa ressaltou que o prefeito não está impedido de disputar as eleições e que vai recorrer à reeleição. Especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Luiz Eduardo Peccinin afirmou que, se houver recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Crivella deve, de fato, conseguir disputar as eleições. No entanto, caso seja eleito, ele precisará de uma liminar derrubando a decisão do TRE ou a inelegibilidade para tomar posse.

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"Essa política será deixada para trás"

Após a proeminente queda de Wilson Witzel no cenário político fluminense, o presidente Jair Bolsonaro vem acenando para o governador em exercício, Cláudio Castro. Na tarde de ontem, ambos participaram da inauguração de estruturas e entregas de equipamentos à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal na capital.

Durante o discurso, sem citar diretamente o governador Witzel, afastado em razão de um processo de impeachment, Bolsonaro disse que buscará, em conjunto com a Assembleia do estado, uma maneira de tirar o Rio de Janeiro da difícil situação em que se encontra e deixar certos personagens de política “para trás”.

“Obrigado a quem votou em mim e para quem não votou também, não tem problema. Juntamente com a Assembleia Legislativa e o nosso jovem governador (Cláudio Castro), vamos buscar uma maneira de tirar o Rio de Janeiro da situação difícil que se encontra. Nós somos o estado maravilhoso e, se Deus quiser, essa política será deixada para trás”, declarou, voltando a apostar em uma “nova política”.

Mês passado, quando Witzel foi afastado, o presidente ironizou a situação do opositor político. “O Rio está pegando... Está pegando hoje, hein?”. No início das investigações em junho, Bolsonaro já havia afirmado que não iria conversar com o governador por “saber onde ele deverá estar brevemente”, insinuando que o ocupante do Palácio Guanabara seria preso em breve.

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