Orçamento

Governo e oposição entram em embate no Congresso sobre financiamento do Renda Cidadã

Parlamentares consideram uma "desumanidade" sacrificar a educação em um país onde metade das escolas não tem saneamento e sugerem a taxação de brasileiros de alta renda

Bruna Lima
Alessandra Azevedo
Augusto Fernandes
Fernanda Strickland
postado em 30/09/2020 06:00 / atualizado em 30/09/2020 06:18
 (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
(crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Começou intenso no Congresso Nacional o embate entre governo e oposição sobre a proposta do governo com o Renda Cidadã. Ontem, durante reunião entre lideranças partidárias da Câmara, os aliados de Bolsonaro ouviram críticas de parlamentares que discordam da ideia de repassar recursos do Fundeb para o novo programa de transferência de renda. A deputada Professora Dorinha (DEM-TO), relatora do texto da PEC do Fundeb na Câmara, alertou que, segundo a Constituição, as ações governamentais na área da assistência social devem ser realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, e não da educação.

Segundo ela, o acesso de crianças à escola ainda é um enorme desafio no Brasil. Retirar dinheiro que deveria combater essa ineficiência constitui, portanto, um erro. “A cada 100 crianças até 3 anos de idade, nossas escolas só conseguem atender 36. Além disso, 49% dos colégios não têm saneamento básico. O próprio nome do fundo diz que ele deve funcionar para o desenvolvimento e a manutenção do ensino, portanto, é uma incompreensão querer mudar isso. Não acredito que isso (usar parte do Fundeb para o Renda Cidadã) caminhe, até porque, teoricamente, não tem nenhum tipo de embasamento”, afirmou Dorinha.

Para a deputada, caso o Congresso aceite a sugestão do governo, vai abrir precedentes para que o dinheiro da educação seja sempre remanejado para outras áreas. Ela concorda que um programa social mais abrangente que o Bolsa Família é necessário, mas pede que o Renda Cidadã seja bancado por outras fontes. “Se um caminho desses for aberto, vão passar a comprar cesta básica e botar na conta da educação. Voltaremos à década de 1970, em que, para se construir asfalto na frente de uma escola, tinha de se usar recursos da educação. Isso é um absurdo. Temos de lembrar que, com investimento em educação, podemos mudar a perspectiva de vida, renda, trabalho e cidadania de qualquer pessoa.”

O deputado Bacelar (Podemos-BA), que integrou a comissão especial do Fundeb, vai lutar contra a proposta. Para ele, por mais que programas de transferências de renda sejam imprescindíveis, não podem sacrificar a educação. “Cortar recursos da educação, especialmente dos municípios mais pobres e dos estudantes mais frágeis, é uma desumanidade. Se o Congresso não reagir a essa proposta, estaremos prejudicando 2,7 mil municípios brasileiros e cerca de 17 milhões de alunos”, alertou.

Sugestões

Houve críticas também no plenário da Câmara. Além de reprovar a redução de recursos do Fundeb, os parlamentares criticaram o plano do governo de utilizar recursos de precatórios (dívidas da União definidas em ações judiciais) como fonte de financiamento do Renda Cidadã.

Alguns parlamentares apontaram possíveis soluções. O líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), opinou que o governo deveria cobrir os gastos por meio da taxação de grandes fortunas e de lucros e dividendos, dois temas que passariam por uma reforma tributária mais ampla. “Tirar dinheiro da educação não faz o menor sentido, muito menos o calote dos precatórios”, analisou. Para Molon, a solução é “levar a sério a reforma tributária e taxar os superricos”. O problema, na visão dele, é que “o governo Bolsonaro não quer incomodar os bancos e os especuladores”. “Os acionistas, quando recebem lucros, distribuem entre si e não pagam um centavo de tributo. Quem paga imposto é a classe média e a classe popular”, criticou. “É o governo dos banqueiros. A eles que Paulo Guedes vai procurar atender”, continuou o líder do PSB.

Para avançar a renda básica, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) acredita que o Congresso deve voltar a debater incentivos fiscais, tributários e creditícios, além de avançar na discussão sobre taxação de grandes fortunas. “Esses incentivos chegaram à casa de mais de R$ 400 bilhões e são fundamentais, neste momento em que o Brasil precisa encontrar espaço orçamentário para garantir um programa de renda”, afirmou.

*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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