E Guedes entra em campo

Ministro da Economia contradiz o discurso do governo e rejeita a ideia de utilizar precatórios para financiar o Renda Cidadã. Senador Marcio Bittar, que havia dito não haver outra saída para lançar o programa, suspendeu a entrega de relatórios de PECs no Congresso

AUGUSTO FERNANDES MARINA BARBOSA ROSANA HESSEL
postado em 01/10/2020 01:07
 (crédito: Evaristo sá/AFP)
(crédito: Evaristo sá/AFP)

A equipe econômica do governo voltou a entrar em conflito com o presidente Jair Bolsonaro e sua nova base aliada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, refutou a ideia de que o dinheiro destinado para o pagamento de precatórios, que são dívidas de ações judiciais da União, seja usado como fonte de financiamento do Renda Cidadã, iniciativa que deve substituir o Bolsa Família a partir de janeiro de 2021.

Ontem, em uma tentativa de acalmar os mercados, que consideraram a alternativa uma espécie de “calote” e reagiram mal à proposta de adiar o pagamento de dívidas judiciais, o ministro quis marcar posição e ponderou que não é possível custear um programa social “com um puxadinho”.

Além disso, Paulo Guedes defendeu, mais uma vez, que a classe política deveria lançar o Renda Cidadã reunindo vários projetos em um só, em uma tentativa de emplacar as velhas propostas que tinham sido descartadas pelo próprio Bolsonaro. O grande desafio é conseguir uma receita para custear o programa, pois não há espaço no Orçamento de 2021 para novas despesas sem descumprir o teto de gastos.

Segundo Guedes, os precatórios não representam uma saída adequada para o impasse orçamentário que envolve a criação do programa social. “Não é regular. Não é uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível”, avaliou o ministro. Ele também defendeu “um programa social robusto, consistente e bem financiado”. “Como é uma despesa permanente, tem que ser financiado por uma receita permanente. Não pode ser financiado por um puxadinho, por um ajuste. Não é assim que se financia o Renda Brasil. É com receitas permanentes”, acrescentou o chefe da equipe econômica, durante entrevista coletiva para comentar os números de desemprego no país (Leia mais na página 7).

O ministro, inclusive, citou o argumento usado pelo PT quando criou o Bolsa Família, que foi o resultado da fusão de programas sociais do governo do PSDB. “Da mesma forma, agora, podemos juntar 27 programas sociais. Dá uma calibragem adicional, para que seja um pouso suave, um local de aterrissagem do auxílio emergencial”, defendeu Guedes.

Fora das negociações
O chefe da equipe econômica admitiu que o governo pretende rever essa despesa com precatórios, porque há um crescimento na despesa, mas não para o financiamento de um novo programa. “Não se trata de buscar recurso para financiar Renda Brasil, muito menos com dívida, que é líquida e certa. Temos o direito de examinar do ponto de vista de controle de despesas. O exame não é, jamais, para financiar programa A ou B”, destacou. A fala do ministro, apesar de agradar ao mercado, também foi vista com desconfiança por especialistas, porque Guedes estava ao lado de Bolsonaro e do senador Marcio Bittar (MDB-AC), responsável por construir o novo programa, quando a proposta do Renda Cidadã foi anunciada no início da semana.

Na ocasião, o ministro não se pronunciou contra o uso de precatórios para financiar a iniciativa que vai suceder o Bolsa Família. E, nas últimas conversas de Bittar com líderes e integrantes do governo para finalizar a proposta do Renda Cidadã, Guedes não participou, em um claro sinal de que estava sendo escanteado novamente. O senador está cada vez mais alinhado com Bolsonaro e não poupa elogios ao presidente quando tem oportunidade. Bittar também procura afirmar que é um liberal, porém, conservador e que, assim como o chefe do Executivo, “está preocupado com os 10 milhões de brasileiros que estarão sem renda a partir de janeiro de 2021”.

Bittar prometeu apresentar ontem os detalhes do Renda Cidadã no relatório da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos que devem ser acionados no caso de descumprimento do teto de gastos. Ele também pretendia apresentar, em separado, o relatório da PEC do Pacto Federativo. Após a declaração de Guedes, contudo, não havia uma previsão de quando o texto ficará pronto. O senador participou de reunião marcada no fim do dia com o presidente, líderes e Guedes. Procurado, Bittar não comentou o assunto até o fechamento desta edição.

Na avaliação do especialista em contas públicas, Gil Castello Branco, essa confusão no governo está mais para uma “Torre de Babel”. “Cada um fala um idioma. O vice-líder do governo sai de uma reunião com o presidente da República e diz que os precatórios seriam fonte de recursos para o Renda Cidadã. O ministro Paulo Guedes, após ver a repercussão negativa do primeiro anúncio, agora diz o contrário. É por essas e outras que o real é a moeda que mais se desvalorizou dentre os países emergentes, os juros futuros estão em alta, já há fuga expressiva de capitais, a Bolsa opera abaixo de 100 mil pontos e a inflação está em processo de reaceleração”, avaliou.


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Maia: ministro "desequilibrado"


A rixa entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ganhou mais um capítulo ontem. Guedes disse haver boatos de que Maia fez um acordo com a esquerda para interditar o debate sobre as privatizações. E avisou que está esperando a tramitação dessas propostas, bem como das reformas econômicas. “Estamos esperando. Não há razões para interditar as privatizações. Há boatos de que haveria um acordo do presidente da Câmara com a esquerda para não pautar as privatizações”, disparou Guedes, durante a apresentação dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Guedes cobrou o avanço dessas reformas no Congresso, sugerindo que o governo tem feito a sua parte nesse sentido. “Estamos avançando com o pacto federativo no Senado. Na comissão mista, mandamos a primeira fase da reforma tributária e vamos prosseguir. Na Câmara, já entramos com a reforma administrativa. Da mesma forma, temos lá o setor elétrico, o veto ao saneamento, as privatizações. Estamos esperando”, alfinetou, emendando com a crítica a Maia.

Guedes prosseguiu: “Precisamos retomar as privatizações, temos que seguir com as reformas, temos que pautar. A transformação, a retomada do crescimento vem pela aceleração dos investimentos em cabotagem, infraestrutura, logística, setor elétrico, privatizações, Eletrobras, Correio. Estamos esperando”.

Apesar da cobrança, o ministro afirmou ver o Congresso “ávido por avançar com as reformas”. Fez, ainda, um afago ao novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Guedes avaliou que o governo encontrou um “eixo político” e disse que “o líder do governo avisou que há consenso em ir avançando no pacto federativo”.

Rodrigo Maia não deixou por menos. Em resposta à acusação de Guedes de que estaria dificultando as privatizações, o presidente da Câmara disparou: “Paulo Guedes está desequilibrado”. O demista entrou em rota de colisão com Guedes diversas vezes na pandemia de covid-19. Na terça-feira, nas redes sociais, acusou Guedes de impedir o debate da reforma tributária. A declaração de Maia foi publicada depois que a apresentação das próximas etapas da reforma tributária foi adiada pelo governo, por falta de consenso com os parlamentares. Pesa nesse descompasso a insistência de Guedes de criar um imposto similar à antiga CPMF. Maia já reiterou que, enquanto presidir a Câmara, a ideia não passa.

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