Menos pobreza na pandemia

Levantamento da FGV Social mostra que auxílio emergencial, pago pelo governo para diminuir crise de desemprego causada pela disseminação da covid-19, influenciou na mobilidade social. Mas, com a redução do valor, quem teve algum ganho deverá perdê-lo

Rosana Hessel
postado em 09/10/2020 00:45
 (crédito: Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press)
(crédito: Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press)

Novo levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) mostra que o auxílio emergencial tem ajudado a reduzir a pobreza no país durante a recessão provocada pela pandemia da covid-19. O número de pessoas vivendo com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo (R$ 522,5) caiu 15 milhões em agosto, na comparação com o mesmo intervalo de 2019.

O coordenador do estudo, Marcelo Neri, diretor do FGV Social, reconheceu que essa redução da pobreza, no entanto, não deve continuar daqui para frente. Ele estima que, no ano que vem, esses 15 milhões de pessoas que ascenderam socialmente deverão voltar para a faixa mais baixa. Um dos fatores para isso é a redução do benefício de R$ 600, entre abril e agosto, para R$ 300, entre setembro e dezembro.

“O auxílio emergencial está presente até agosto. Com a redução do valor do auxílio, a partir de setembro o quadro vai mudar”, disse Neri ao Correio.

Essa redução da pobreza no meio da recessão causada pela pandemia foi uma das surpresas do estudo apontadas por Neri, que reconheceu que o auxílio emergencial teve um “impacto poderoso”. “O esperado era um choque adverso. Mas, quando olhamos para os gastos de R$ 322 bilhões apenas com o auxílio emergencial em nove meses, para um programa que atingiu, no seu ápice, 67 milhões de pessoas, é surpreendente que isso tenha ocorrido em um governo que foi eleito com o discurso de realizar o ajuste fiscal”, destacou.

O economista reforçou que a desigualdade ainda vai aumentar. Dados recentes do Banco Mundial (Bird) mostram que a pandemia pode levar para a pobreza extrema, vivendo com até US$ 1,9 por dia, até 115 milhões de pessoas no mundo ainda neste ano. E, em 2021, esse número poderá chegar a 150 milhões.

“Na verdade, o que estamos vendo é o governo adiando o problema no meio da recessão e o cenário base será a volta do crescimento da pobreza. Nesse sentido, um dos caminhos para quem conseguiu sair da pobreza será voltar para um lugar pior do que antes da pandemia, se não houver um programa mais bem elaborado para ajudar essas pessoas quando o auxílio acabar, a partir de janeiro de 2021”, lamentou Neri.

Encolhimento do PIB
O economista lembrou que o aumento dos gastos públicos fez o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre encolher, no auge da pandemia, 9,7% –– menos do que o esperado pelo mercado e taxa parecida com a da Alemanha. “O que explica esse desempenho é, basicamente, o auxílio emergencial, que foi um ponto fora da curva da política econômica do ministro Paulo Guedes (Economia), que é um fiscalista. Nunca o governo distribuiu tanto dinheiro para os mais pobres. Isso é surpreendente, pena que não é sustentável fiscalmente”, avaliou.

O ministro tem reforçado que o auxílio não será prorrogado para 2021 e que “acaba em 31 de dezembro”. Contudo, o governo ainda não conseguiu apresentar o programa Renda Cidadã, que deverá substituir o Bolsa Família, algo que deverá ocorrer apenas depois das eleições de novembro. A fonte de financiamento e o número certo de beneficiários não estão definidos devido ao limite do teto de gastos, que vai obrigar cortes e revisão de despesas obrigatórias.

Pelos cálculos de Neri, esse novo programa não poderá ser robusto como o auxílio emergencial e terá um limite de até R$ 70 bilhões por ano para evitar um desequilíbrio fiscal ainda maior nas contas públicas.

O estudo da FGV mostra que o número de brasileiros vivendo na faixa que fica na base da pirâmide social somou 50,2 milhões em agosto. Esse dado apresenta reduções de 23%, em relação aos 65,2 milhões de registrados no mesmo mês de 2019, e de 23,7%, em referência aos 65,8 milhões de 2012. Esse contingente de brasileiros na faixa mais pobre é o “menor patamar da série histórica”, segundo os dados da FGV.

Ajuda necessária

Em agosto, número dos que saíram da faixa mais pobre somou 15 milhões devido, em grande parte, ao auxílio emergencial

Evolução da população por renda por faixas
Período Menos de 1/2 salário mínimo *Entre 1/2 e 2 salário mínimos * 2 ou mais salários mínimos *
201265,8 104,3 28,2
201965,2112,0 32,9
Jul/2020 52,1 132,5 27,1
Ago/2020 50,2 133,4 28,1

Fonte: FGV Social/Pnad Covid


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