ELEIÇÕES 2020

Eleitores do Entorno vão às urnas preocupados com segurança, saúde e transporte

Moradores das cidades ao redor do Distrito Federal vão às urnas em 15 de novembro para eleger prefeitos e vereadores diante de profundos problemas sociais, como violência, atendimento precário na saúde e transporte ruim

Sarah Teófilo
Renato Souza
*Israel Medeiros
postado em 11/10/2020 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

Daqui a cinco domingos, 150 milhões de brasileiros vão às urnas para escolher prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o país. No Entorno do Distrito Federal, composto por 33 municípios, sendo quatro pertencentes a Minas Gerais e o restante a Goiás, o resultado do pleito afeta 1,6 milhão de moradores. Diante de profundos problemas sociais, como violência urbana, saúde, com avanço do coronavírus na região, desigualdade social e transporte precário, o papel dos representantes locais se torna ainda mais importante.

A região goiana é alvo do empurra-empurra entre os governos de Goiás e do DF, sem ter os problemas solucionados. Quatro cidades — Formosa, Valparaíso, Águas Lindas e Luziânia — abrigam 45,9% da população do Entorno e os eleitores pedem que os planos e ações para melhoria da qualidade de vida se estendam para além do período de campanha e de votação. Nestas localidades, 27 candidatos concorrem aos cargos de prefeito. Especialistas falam sobre o cenário de abandono da região e apontam a necessidade de se colocar em prática soluções para melhorar o atendimento da população nos serviços públicos.

A Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) considera que 12 municípios de Goiás na região formam a Periferia Metropolitana de Brasília (PMB) — eles somam 1,2 milhão de habitantes. Uma Pesquisa Metropolitana por Amostragem de Domicílios (PMAD), realizada em 2017, já mostra a discrepância social: se em Brasília a renda per capita é de R$ 2.461, em Valparaíso de Goiás (o maior valor entre as quatro cidades), é R$ 829,34. Ou seja, um terço de Brasília. Águas Lindas tem o menor valor: R$ 616,9.

Apesar das diferenças, essas cidades têm relação estreita com a capital federal. Uma retrato fiel desta ligação ficou mais claro com a pandemia de coronavírus, em que 24% dos moradores disseram ter procurado o serviço público de saúde da capital para receber atendimento médico, segundo estudo da Codeplan. Em algumas cidades, esta taxa é bem maior, como o Novo Gama, onde 70% da população dependem do DF para receber atendimento de saúde. Em Águas Lindas, uma das maiores cidades do Entorno, a dependência afeta 39% da população.

Com o avanço do novo coronavírus na região, a atenção dos eleitores para o atendimento nas unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento e hospitais, aumentou. Na boca dos eleitores, este é o principal tema e também mobiliza candidatos. As quatro cidades, apesar de englobar 725 mil habitantes, não têm leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) habilitados ao Sistema Único de Saúde (SUS), segundo dados do Ministério da Saúde — a não ser os que estão recebendo pacientes com covid-19 nos hospitais de campanha de Águas Lindas e Luziânia. Outras áreas seguem na demanda da população, e muitas têm a ver com a relação econômica entre Brasília os municípios à sua volta.

O abandono e a falta de solução para problemas históricos geram desconfiança por parte da população. O ladrilheiro Saulo Marcos da Silva, de 61 anos, morador de Luziânia, se diz sem esperança com a política. Para ele, os políticos se preocupam apenas com os próprios interesses. “A maioria não faz nada, só pensa no que lhe diz respeito. Tem gente que está lá há muito tempo e não faz nada. Prefiro votar em alguém que está entrando agora”, afirma. Seu voto para vereador, inclusive, será em um amigo que acaba de entrar na política.

Um dos candidatos a prefeito em Águas Lindas, tenente Rajão (Patriota) fala sobre a situação do Entorno ao comentar sobre um hospital que está sendo construído há 15 anos. A unidade era municipal, passou para o estado em 2013, já chegou a ter uma das etapas inaugurada, mas continua fechada. “Tem uma série de fatores que explicam o fato de o hospital virar uma lenda na cidade. Um deles é que o Estado não encara o Entorno como prioridade, mas, sim, como um problema do DF. E o DF não pode intervir, porque é Goiás”, avalia. Para ele, a solução seria criar uma região metropolitana do Distrito Federal. “Está na hora das bancadas de Goiás e DF sentarem, pararem com o regionalismo e encararem isso”, diz.

Cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Robert Bonifácio afirma que, embora a região seja em território goiano, ela funciona como uma espécie de Grande Brasília. A situação, então, é de um Plano Piloto altamente rico e uma periferia com ausência de serviços básicos. Conforme o professor, mesmo as cidades dentro do DF sofrem com esse problema, mas elas integram o governo do DF, diferentemente dos municípios goianos.

“Esses municípios vivem uma lógica ao redor de Brasília. Estão longe de Goiânia, mas são Goiás. As mazelas não são percebidas pelo governo de Goiás e, se são percebidas, não há interesse em resolvê-las, quando, em tese, a dinâmica de Brasília pode fazer isso. Mas ao GDF não compete lidar com a região”, explica.

Bonifácio ressalta que a região tem uma riqueza relativa, mas não é a grande moeda de troca, que, no caso, é o próprio eleitor. “O interesse dos políticos na região é puramente eleitoral. A população não tem influência política; são, na maioria, pobres, periféricos, não são vistos. As pessoas não vão ao Entorno; não é atração turística, não é destino social, tecnológico. Mas eles têm votos”, afirma. A pandemia, segundo ele, forçou o governo a aparecer pela região, com montagem de hospital de campanha.

Para o professor, a ausência de interesse por parte dos agentes políticos em resolver os problemas da região pode estar mudando com a entrada do governador Ronaldo Caiado (DEM) no circuito político, depois de derrotar o candidato do ex-governador Marconi Perillo (PSDB), que estava no poder desde o final da década de 1990. “Há a necessidade de correr para as áreas mais populosas, como o Entorno”, diz.

Integração

O setor de transportes levanta grande interesse social, já que 110 mil pessoas viajam entre o Entorno e o DF todos os dias. Por ano, de acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), são 4 milhões de viagens. A ligação única, em um sistema coletivo, é por ônibus, já que não existem trens ou metrôs. O valor único das passagens pode superar os R$ 8, já que a tarifa se torna maior por ser considerado transporte interestadual.

O cientista político Leopoldo Vieira, especialista em administração pública e analista político da TC Mover, destaca que os candidatos que forem eleitos deveriam pensar em uma integração municipal, para amenizar os problemas sociais. “Não existe região sem futuro, existe região sem projeto. O primeiro desafio para o Entorno é que os candidatos, sejam de qual espectro ideológico forem, primeiro tenham essa clareza. A lei dos consórcios públicos permite uma solução intermunicipal, baseada em otimizar o que o território tem de potencial, e amenizar seus principais impasses de forma conjunta”, destaca.

Leopoldo Vieira aponta que os governos do DF, Minas Gerais e Goiás poderiam colaborar para a iniciativa. Ele afirma que, na ausência de boas propostas, a ideologia pode sobrepor as demais competências na escolha dos eleitores. “O fato de boa parte dos moradores do Entorno trabalhar em Brasília é um desafio para a conquista de votos, ainda mais com a descrença de que oportunidades e crescimento chegará aonde moram. E a tendência, diante da falta generalizada de ideias e propostas estruturantes, é que assuntos mais religiosos e imediatistas ao bolso dos mais pobres continue definindo este tabuleiro político”, explica.

A região também sofre com problemas de infraestrutura, como atendimento de esgotamento sanitário. Apenas Formosa tem um percentual maior de população atendida, chegando a 78,7%, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Em Águas Lindas e Luziânia, menos de 19% da população é atendida por um sistema de esgoto. Em Valparaíso, esse número é 29,4%. Não por um acaso, a situação é reclamação recorrente no município, onde moradores relatam, ainda, problemas da rede de água pluvial.

O cozinheiro industrial José Flávio, de 55 anos, reclama que o setor onde mora, Jardim Céu Azul, não tem sistema de esgoto. Além disso, ressalta que a cidade tem diversos pontos que alagam em épocas de chuva. “Tem rua que não há boca de lobo”, afirma. O problema também é lembrado por diversos moradores, como a comerciante Danielle Cristina, de 36 anos, que diz que a rua do seu comércio, no setor Valparaíso I, alaga em tempos de chuva.

* Estagiário sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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Onde está o problema?

Águas Lindas

Antônia Duarte, vendedora, 48 anos

“Tudo precisa ser melhorado: saúde, segurança, educação. Faltam hospitais, precisamos de um centro médico que tenha UTI. Falta, também, rodoviária, policiamento, escolas. Esses são, na minha opinião, os principais problemas que enfrentamos aqui”


Marlene de Souza, desempregada, 43 anos

“Não acredito que um político conseguirá mudar essa realidade. Não tenho esperança em nenhum deles. Todos os que conseguem se eleger esquecem das suas promessas, não fazem nada pela população”


Formosa

Hilton José de Alencar, operador de máquinas, 39 anos

“Faz duas eleições que eu voto para prefeito e sempre mudei de candidatos. Neste ano, vou mudar de novo. Os que chegam ao poder não estão melhorando a cidade. Tem que melhorar o asfalto, a segurança e principalmente a saúde, a espera está muito grande”


Eliete Rodrigues, dona de casa, 34 anos

“A água é salobra em algumas regiões rurais e temos que comprar para beber e cozinhar. Se não for assim, não tem como cuidar da casa, e das coisas do dia a dia”


Valparaíso

Nicélia Bernardes, comerciante, 35 anos

“Eles prometem na campanha e não cumprem. Aqui, precisava aumentar o número de vagas nos colégios. A saúde também é muito precária. Estou grávida e não consegui fazer os exames aqui, nem os mais simples. Tive que pagar”


Eliane Rodrigues Fonseca, vendedora, 42 anos

“Tinha que melhorar a infraestrutura, trazer saneamento básico. A saúde também é horrível. Acho que não vou votar em ninguém, porque fica quatro anos, não faz nada, e quando chega perto das eleições começa a fazer obra”


Luziânia

Laura Fernanda, comerciante, 28 anos

“Como que não fica desiludida com tudo que a gente vê? Fica com o pé atrás. Tem os candidatos antigos, que a gente já conhece, e tem uns novos. Mas será que eu posso confiar meu voto? Não adianta ficar ‘queimando’ o outro candidato. Eu quero ver proposta”


Aldinei Gonçalves, comerciante, 50 anos

“O principal problema aqui é saúde. Não tem hospital, e se você precisa de atendimento tem que ir para Goiânia ou Brasília. A segurança também precisava melhorar, e educação também. Os professores estão sempre reclamando”

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