Politização trava vacina

Em guerra com Doria, Bolsonaro desautoriza Ministério da Saúde e suspende a compra do imunizante desenvolvido pela China, a ser produzido pelo Instituto Butantan. Presidente alega falta de comprovação científica do produto, mas volta a defender a hidroxicloroquina

Ingrid Soares
postado em 21/10/2020 22:15
 (crédito: Marcos Correa/PR)
(crédito: Marcos Correa/PR)


O presidente Jair Bolsonaro escancarou a politização em torno da vacina contra o novo coronavírus. O chefe do Executivo afirmou que o imunizante produzido pela China não será comprado pelo governo. A declaração ocorreu um dia depois de o Ministério da Saúde anunciar a intenção de adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac, da farmacêutica chinesa Sinovac, a ser produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo.

De olho nas eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro mostrou-se extremamente incomodado com a possibilidade de a compra da vacina provocar ganho positivo para a popularidade do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), seu desafeto político. Isso porque Doria festejou o fato de o Ministério da Saúde ter anunciado a aquisição do imunizante e postou nas redes sociais os cumprimentos ao titular da pasta, Eduardo Pazuello, “pela aprovação da compra da vacina do Butantan contra a covid-19, um gesto correto para salvar vidas”.

Como justificativa para negar a compra, Bolsonaro apontou que, antes de ser disponibilizada à população, a vacina deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele acrescentou que não justifica “um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem”.

Logo no começo do dia de ontem, Bolsonaro sofreu pressão de apoiadores, por meio das redes sociais, que repercutiram negativamente a intenção do Ministério da Saúde de adquirir o imunizante. Um deles pediu que o país não sofresse interferência da “ditadura chinesa”. A ele, Bolsonaro respondeu, em letras maiúsculas, que a vacina “não será comprada”.

Mais tarde, durante visita às instalações do Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP), em Iperó (SP), Bolsonaro tratou de defender Pazuello, afirmando que houve uma “distorção” por parte de Doria. “Por nossa parte, não houve falha. Uma pessoa tentou tirar proveito em cima disso. Ele (Doria) tinha uma audiência marcada com o ministro Pazuello. Ele passou mal, acho que está baixado no hospital ainda. E, depois, o Pazuello fez uma videoconferência com outros governadores, onde Doria entrou no circuito. E, acabando a videoconferência, Doria correu para a imprensa para dizer que havia assinado um protocolo para a aquisição de vacina chinesa, essas são as palavras dele”, relatou.

O mandatário deixou claro, também, que “toda e qualquer vacina está descartada” até que haja comprovação científica da eficácia. Apesar da declaração, ele defende, rotineiramente, o uso de hidroxicloroquina no combate à covid-19, mesmo sem evidências da ciência de que o medicamento é eficiente contra a doença. “Nada será despendido, agora, para comprarmos uma vacina chinesa, que desconheço. (...) As vacinas têm de ter comprovação científica, diferentemente da hidroxicloroquina”, declarou.

Irritação

Bolsonaro irritou-se após uma jornalista questioná-lo se “não houve comunicação entre o Ministério da Saúde e o Executivo”. “Não me trate dessa maneira, ou acaba a entrevista. Eu tenho responsabilidade, coisa que você não está tendo aqui. Não é dessa maneira de se perguntar para uma autoridade uma questão séria que mexe com vidas”, rebateu.

Ele sugeriu que Doria seria beneficiado com o dinheiro pago ao laboratório chinês. “Houve uma distorção por parte de João Doria tocante ao que ele falou. Ele tem um protocolo de intenções, já mandei cancelar. Se ele assinou, já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade, até porque, estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela a não ser nós, não sei se o que está envolvido nisso tudo é o preço vultoso que vai se pagar por essa vacina para a China”, alfinetou.

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"A vacina do Brasil"

Na terça-feira, o Ministério da Saúde assinou um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac. O acordo foi fechado durante reunião do ministro da pasta, Eduardo Pazuello, com governadores. “A vacina do Butantan será a vacina do Brasil”, disse Pazuello, ao anunciar o acordo. Na reunião desta terça, a expectativa era de que a aquisição ocorresse até o fim do ano, após o imunizante obter registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que a vacinação começasse já em janeiro.

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