ELEIÇÕES 2022

Polarização política do país não deixa de fora nem a almejada vacina contra a covid-19

Troca de acusações entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, envolvendo imunizante de origem chinesa a ser produzido no país pelo Instituto Butantan, acirra polarização política e tem como pano de fundo a briga pela Presidência em 2022

Ingrid Soares
postado em 25/10/2020 07:00
 (crédito: anaray)
(crédito: anaray)

O cancelamento da compra, pelo Ministério da Saúde, de 46 milhões de doses do imunizante CoronaVac, desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, evidenciou que a polarização política do país não deixa de fora nem a almejada vacina contra a covid-19, doença que vitimou fatalmente quase 156 mil brasileiros. Uma amostra disso foi o cabo de guerra travado nesta semana entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Apesar de tratar de um tema médico-sanitário, o episódio teve como pano de fundo as eleições presidenciais de 2022.

Bolsonaro irritou-se com o protocolo de intenção de compra da vacina firmado pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Diante da repercussão negativa de apoiadores nas redes sociais, e com o risco de ver o desafeto ser lembrado como “aquele que trouxe a imunização para o Brasil”, o presidente desautorizou Pazuello, que, ironicamente, foi diagnosticado com o novo coronavírus, em meio ao imbróglio político.

O presidente enviou uma mensagem pelo celular a ministros e auxiliares: “Alerto que não compraremos vacina da China, bem como meu governo não mantém diálogo com João Doria sobre covid-19”. Bolsonaro ainda colocou em dúvida a qualidade científica da vacina, ao mesmo tempo em que voltou a levantar a tese de que o coronavírus foi “fabricado” na China.

A atitude do presidente desencadeou uma onda de críticas de governadores e parlamentares da oposição. O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que as pressões políticas e da população poderão fazer o presidente recuar. “(Bolsonaro) se propõe a um braço de ferro, mas é preciso ver se ele tem força para ganhar. Ele pode voltar atrás, como já fez em outras ocasiões. O brasileiro quer uma vacina. Aquela ideia de que os outros Poderes freiam o Executivo ficou evidente nesse um ano e meio de governo. Creio que não será diferente, caso necessário”, frisou.

Prando ressaltou, também, que Bolsonaro voltou a abandonar o script moderado que havia adotado desde a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho Flávio Bolsonaro, alvo de inquérito que apura a prática de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. “O presidente parte novamente para a ofensiva e reanima seu presidencialismo de confrontação. Ele quer agradar a ala ideológica, da teoria da conspiração, fundamental para sua mobilização nas redes e nas ruas. Mas também não quer que o governo federal coloque dinheiro numa vacina que pode render ganhos políticos para o governador”, avalia.

O especialista pondera que a Anvisa, órgão que aprova medicamentos e vacinas, deve atender a critérios estritamente científicos. “Se for constatada qualquer pressão política no órgão para atrasar ou mesmo proibir a parceria com o laboratório chinês, isso pode trazer consequências mais sérias. Não à toa a oposição voltou a ventilar a tese do impeachment do presidente, caso ele entre neste caminho”.

O cientista político Creomar de Souza salienta que a guerra da vacina é o reflexo da polarização que o país tem vivido desde 2013. “De um lado, os interesses de reeleição de Bolsonaro. Do outro, Doria com seus interesses próprios. São Paulo tem um impacto muito forte no processo eleitoral”, observa.

Souza salienta que nenhuma vacina venceu todos os trâmites para ser aplicada nas pessoas, e que a exploração política talvez seja a maior dificuldade no caso. “Como os políticos têm os seus próprios interesses, acaba ficando de lado o mais importante, que é o bem estar das pessoas. Bolsonaro prefere partir para o embate polarizado com Doria, que, por sua vez gosta da ideia de antagonizar o presidente e enxerga ali a possibilidade de construir seu espaço”, conclui.

 

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Farpas na rede

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), publicou, ontem, no Twitter, um agradecimento à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela liberação, em caráter excepcional, da importação de 6 milhões de doses da CoronaVac. “A CoronaVac será a vacina do Brasil”, escreveu o governador tucano.

A importação foi autorizada no fim da tarde de sexta-feira pela agência. O imunizante é produzido pelo laboratório chinês Sinovac e a compra desse lote inicial foi feita a pedido do Instituto Butantan, que deve receber a tecnologia chinesa para produção da vacina em larga escala no país.

Ironias
Durante toda a semana, o governador trocou farpas com o presidente Jair Bolsonaro, que o chamou de “nanico projeto de ditador” por propor a aplicação compulsória da vacina contra a covid-19.

Ontem, em publicação nas redes sociais, o chefe do Executivo postou uma foto ao lado do cachorro adotado pela primeira-dama, Michelle. “Vacina obrigatória só aqui no Faísca”, ironizou.

Em entrevista concedida ao Correio, na última quarta-feira, o governador acusou o presidente de agir com violência e autoritarismo. “A vacina deve ser aplicada a todos os brasileiros, para salvar a vida de todos. Não estamos em uma corrida eleitoral ou ideológica”, disse.

Governador de SC é afastado
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), que teve o afastamento por 180 dias decretado pela assembleia legislativa do estado, na madrugada de ontem, classificou de política a decisão dos parlamentares. Ele disse que acredita na absolvição no julgamento final do Tribunal Especial formado por desembargadores e deputados. A vice-governadora Daniela Reinehr, que é alinhada ao presidente Jair Bolsonaro, foi absolvida e assume o cargo provisoriamente.

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