Nas entrelinhas

"Indefinição em relação às reformas e impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento aumentam a insegurança na economia"

Luiz Carlos Azedo
postado em 27/10/2020 23:01

O cobertor curto


O Ministério da Economia anunciou que não pretende pagar o 13º Bolsa Família neste ano, ao contrário do que aconteceu em 2019, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, talvez, o primeiro sinal de que não se sente confortável com o programa social criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, carro-chefe da sua reeleição, em 2006. O cobertor está muito curto e a prorrogação do auxílio emergencial até dezembro, que virou a principal ação social de enfrentamento à pandemia da covid-19, já está deixando o governo de língua de fora.

O Bolsa Família é um auxílio para as famílias de baixa renda, que beneficia àquelas consideradas (1) extremamente pobres: com renda mensal de até R$ 89 por pessoa; e (2) pobres: com renda mensal de até R$ 178 por pessoa, mas que incluam gestantes ou crianças e adolescentes de até 18 anos. No valor de R$ 89 mensais, pode ter parcelas adicionais de R$ 41 para crianças, adolescentes e gestantes; e R$ 48 para adolescentes de 16 ou de 17 anos. O valor total não pode ultrapassar R$ 372 por família, mas a média está em R$ 190, portanto, bem, abaixo dos R$ 300 do auxílio emergencial previsto para este último trimestre do ano.

Se pudesse, Bolsonaro trocaria o Bolsa Família pelo Renda Brasil (ou outro nome que o governo resolva dar), já a partir de janeiro, mas não tem recursos em caixa para garantir o benefício sem romper a Lei do Teto de Gastos. Entre idas e vindas, o presidente da República acabou cedendo às preocupações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tenta conter os gastos do governo para evitar um descontrole total da economia. O cenário para o próximo ano é preocupante. O governo está tendo dificuldades para financiar a dívida pública, que deve chegar a 100% do PIB até o fim do ano. Em setembro, a dívida aumentou 2,6% e chegou a R$ 4,5 trilhões.

Para financiar essa dívida, o Banco Central vende títulos da União, porém, está pagando juros anuais de 7,6% para os títulos com vencimento em 10 anos, portanto, muito acima da taxa Selic, que está em 2%. Para diminuir essa diferença, reduziu o prazo de resgate para dois anos, obtendo taxa de juros de 4,57%, o que continua sendo muita coisa, ainda mais tendo de pagar esses títulos em 24 meses. Os juros no mercado futuro são pressionados pela alta do dólar, que, ontem, fechou a R$ 5,71, com impacto também nos preços ao consumidor. O IPCA acumulado nos últimos 12 meses está em 3,14%, acima da meta de inflação, que é de 2,5%. Nesse rumo, o Banco Central terá de aumentar a taxa Selic para conter a inflação.

Orçamento
A economia mundial sofre o impacto da pandemia, mas, aqui no Brasil, a indefinição do governo em relação às reformas e o impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento da União colaboram para aumentar a insegurança na economia. Além disso, a desastrada atuação do governo na questão ambiental afugenta investimentos. É um quadro muito preocupante, porque o governo não tem como financiar a dívida pública de curto prazo sem uma política fiscal mais rigorosa.

Há uma certa esperteza do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao não convocar a reunião da Comissão de Orçamento, pois empurra o ajuste fiscal para depois das eleições municipais. Aproveita o impasse criado pela queda de braço entre o líder do PP, Artur Lira (AL), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pela presidência da comissão, para a qual o Centrão indicou a deputada Flávia Arruda (PL-DF). O candidato de Maia é o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). A disputa é uma espécie de preliminar para o embate que haverá na eleição da Câmara. Lira pretende suceder Maia, com apoio do Palácio do Planalto, mas o atual presidente da Câmara apoia o líder do MDB, Baleia Rossi (SP).

A criação do Renda Brasil passa pela Comissão de Orçamento, cujo relator é o senador Marcio Bittar (MDB-AC), que tentou antecipar a criação do programa. Não conseguiu por causa das divergências entre a equipe econômica — que quer extinguir outros programas sociais — e o próprio presidente da República, além de algumas impropriedades jurídicas, como a utilização de recursos destinados ao pagamento de precatórios. Quando a Comissão de Orçamento for instalada, a discussão sobre o novo programa social será retomada, mas pode enfrentar mais dificuldades ainda, por causa dos impactos da pandemia na economia.

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