CORRIDA ELEITORAL

Caciquismo breca renovação política e será visto nas eleições 2020

Historicamente, políticos mais influentes dentro de partidos são "puxadores de votos" e possuem o controle sobre destinação dos recursos (a maioria públicos) para candidaturas

*Israel Medeiros
*Natália Bosco
postado em 29/10/2020 21:48 / atualizado em 29/10/2020 21:50
 (crédito: Elza Fiúza/ Agência Brasil)
(crédito: Elza Fiúza/ Agência Brasil)

Considerado quase uma tradição da política brasileira, o chamado caciquismo se evidencia em anos eleitorais. O fenômeno consiste no controle dos chefes partidários sobre os candidatos e se faz presente até em legendas modernas, que têm como bandeira a renovação política. Figuras carimbadas no debate público, os políticos mais experientes geralmente assumem o controle dos processos de escolha de novos candidatos, distribuição de recursos e até praticam retaliação contra filiados que vão contra seus posicionamentos.

Segundo o doutor em ciência política e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, é comum que haja uma figura de destaque em cada partido. Alguns exemplos, destaca, são Antônio Carlos Magalhães, na Bahia; José Sarney, no Maranhão; Iris Rezende, em Goiás e Joaquim Roriz, no Distrito Federal.

“A ideia do caciquismo é que aqueles que estão há mais tempo na executiva nacional do partido — que acabam colocando a família no partido — têm um peso desproporcional dentro dele dada à posição que ocupam. Muitas vezes, esse peso acaba sobrepondo até mesmo a democracia partidária”, detalha. De acordo com o especialista, o caciquismo fica nítido para o eleitor quando se associa uma figura pública à imagem do partido. “As pessoas pensam: ‘não resolve nada no PT (Partido dos Trabalhadores) sem o Lula’. Assim como também pensam: ‘não se resolve nada do PDT (Partido Democrático Trabalhista) sem o Ciro Gomes’, por exemplo. São estratégias políticas. Quer dizer que os partidos são dependentes de determinadas figuras”.

Já Eduardo Grin, cientista político da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que o grande poder dos caciques dentro dos partidos tem a ver com os recursos recebidos, regra que foi modificada em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e impediu doações de empresas a candidatos.

"Sistemicamente falando, depois de 2015, a regra passou a ser a seguinte: a obtenção de fundo eleitoral e partidário tem a ver com o tamanho das bancadas dos partidos. Quanto maior a bancada, mais tempo de TV e mais recursos. O sistema cria um incentivo para que os caciques dos partidos decidam como utilizar os recursos, geralmente para quem chama mais votos. Isso tudo do ponto de vista dessa lógica, tende a dificultar a renovação do sistema político, porque privilegia os caciques e pessoas que já estão lá", revelou.

Um exemplo é a campanha para vereador mais cara do país. Milton Leite (DEM), considerado "puxador de votos do DEM", concorre por seu sexto mandato. Ele é ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo e próximo ao atual prefeito Bruno Covas (PSDB). E já recebeu R$ 2,3 milhões, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral. Desse total, cerca de R$ 1,9 milhão é do Fundo Eleitoral e outros R$ 300 mil, do Fundo Partidário. O vereador ainda doou para a própria campanha cerca de R$ 140 mil.

No pleito de 2018, a renovação no Congresso Nacional bateu recordes: só a Câmara dos Deputados teve troca de 47,3% nos seus assentos — maior porcentagem desde a redemocratização nos anos 1980. No Senado, esse número foi ainda maior: das 54 vagas disputadas, 46 foram ocupadas por novos nomes, o que resultou em uma renovação de 85%. Para Grin, as eleições daquele ano foram "um ponto completamente fora da curva".

"O Brasil sempre teve uma renovação nominal relativamente grande quando comparada a outros países. Mas as eleições de 2018 foram diferentes em todos os aspectos, porque as grandes máquinas partidárias foram penalizadas por envolvimento com corrupção e escândalos. Isso acabou abrindo uma janela de oportunidade muito peculiar olhando o nosso histórico", conta. No entanto — continuou —, as regras de financiamento de campanha em 2020 brecam a renovação do sistema político.

"A tendência é que pequenos partidos que poderiam oxigenar o sistema deverão ser engolidos por partidos maiores. Isso é muito ruim para a sociedade porque a política precisa se renovar. Se sempre são os mesmos, a democracia não se renova, são as mesmas práticas", finalizou.

Partido Novo

Nas eleições deste ano são várias as denúncias de práticas que remetem ao caciquismo. Um dos casos mais recentes ocorreu na cidade de São Paulo, na semana passada. Candidato pelo partido Novo à prefeitura, o empresário Filipe Sabará foi expulso da legenda e teve sua candidatura rejeitada pela Justiça Eleitoral. Ele afirmou que sua expulsão ocorreu após discordar dos posicionamentos do fundador e ex-presidente do partido, João Amoêdo, com relação aos atos do presidente Jair Bolsonaro.

"Infelizmente, o partido Novo tem muito a perder com um fundador e ex-presidente que está atrapalhando o desenvolvimento do partido. Aliás, fica tuitando o tempo todo e atrapalhando pessoas ótimas que tem nesse partido. Eu adoro a ideia do Novo, continuo defendendo seus ideais, mas, infelizmente, eu fui o caçado da vez", disse ele em um vídeo publicado em seu Instagram. O Novo, por sua vez, afirmou que a expulsão se deu após constatação de inconsistências em seu currículo.

*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro

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