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Discussão sobre financiamento do Renda Cidadã fica para depois das eleições

Criticado e sem opção de financiamento para o novo programa social, governo pode buscar solução no Congresso, mas proximidade dos pleitos municipais deve adiar negociações. Na avaliação do vice-presidente Hamilton Mourão, criação de tributo é uma alternativa

A repercussão negativa no mercado e na classe política da proposta de financiamento do Renda Cidadã, com recursos destinados ao pagamento de precatórios (dívidas de ações judiciais da União) e com uma parcela do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), fez o governo desistir da ideia. Assim, o plano de criar um programa para substituir o Bolsa Família voltou à estaca zero.

Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão admitiu que “esse assunto já virou a página, já acabou” e que o governo “voltou atrás e, provavelmente, não vai usar” nenhuma das duas fontes de recursos para bancar o novo projeto social. A decisão freia as expectativas do Executivo de aprovar o programa até o fim deste ano e colocá-lo em prática em janeiro de 2021, quando o auxílio emergencial — criado por conta da pandemia do novo coronavírus — não será mais repassado aos beneficiários.

Agora, o Planalto reconhece que pode encontrar obstáculos para garantir a implementação do Renda Cidadã. A equipe do presidente Jair Bolsonaro e os parlamentares envolvidos na formulação da proposta consideram a possibilidade de só conseguirem bater o martelo sobre as fontes para o programa após as eleições municipais de novembro. Isso porque, atualmente, o governo não vê nenhuma alternativa que não seja considerada polêmica para indicar como fonte de custeio da iniciativa.

“Não tem de onde tirar (recursos para o Renda Cidadã), essa é a realidade”, alertou Mourão. Segundo o vice-presidente, o governo tem de conversar com o Congresso para encontrar uma solução. Na avaliação dele, a criação de um tributo poderia ser uma alternativa. Hoje, o Executivo estuda sugerir, na sua proposta de reforma tributária, um imposto para transações financeiras que ocorrem de forma digital. O encargo, que seria semelhante à antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), já foi defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como forma de viabilizar o financiamento de um novo programa de renda mínima.

“Se você quer colocar um programa social mais robusto do que o existente, você só tem uma de duas linhas de ação: ou você vai cortar gastos em outras áreas e transferir esses recursos para esse programa, ou vai sentar com o Congresso Nacional e propor algo diferente, uma outra manobra, que seja fora do teto de gastos, com imposto específico e que seja aceito pela sociedade. Não tem outra solução ou, então, mantém o status quo”, opinou.

Teto de gastos

Um novo imposto, porém, não solucionaria a questão por completo, visto que a eventual arrecadação do tributo poderia não ser utilizada devido ao teto de gastos. A emenda constitucional, que foi estabelecida há quatro anos e vale até 2036, limita o crescimento da despesa pública à inflação do ano anterior. Dessa forma, o governo teria de flexibilizar a norma ou cortar algumas despesas.

A segunda opção, a princípio, é a mais viável. O Executivo deve insistir na revisão das despesas com precatórios. A ideia é passar um pente-fino nesses gastos para que haja mais espaço dentro do Orçamento para o Renda Cidadã, e não necessariamente usar parte do dinheiro reservado para o pagamento de precatórios como fiador do programa social.

Ontem, o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, disse — em uma coletiva sobre o programa de renegociação de dívidas com a União — que usar a verba destinada para precatórios no Renda Cidadã “é uma proposta esdrúxula, que não tem cabimento”. “Nós não vamos postergar dívida para arrumar dinheiro para fazer programas sociais, porque esses programas vão ter um cunho permanente, e esse postergamento de dívida é provisório, vai descasar no Orçamento, não vai dar certo”, ponderou.

Segundo Afif Domingos, “o que o ministério aponta no Orçamento é exatamente a relação das despesas, e uma que salta aos olhos, é o volume de precatórios para o próximo Orçamento, que teve crescimento vertiginoso”. “Isso é apontado no Orçamento, seu volume. Agora, dizer que ali haveria uma limitação para sobrar dinheiro para um programa de renda, isso não saiu do ministério. E, portanto, posso dizer, com toda a certeza, de que a posição do ministro é negativa.”

Bittar

A recusa da equipe econômica em usar precatórios para custear o Renda Cidadã foi tema de uma reunião no Planalto, na quarta-feira, entre Bolsonaro, Guedes, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) — responsável por construir a proposta — e demais ministros. A conversa terminou sem consenso quanto à melhor fonte de recursos para o programa.

De todo modo, todos concordaram que Bolsonaro não pode abrir mão de implementar uma iniciativa mais abrangente que o Bolsa Família e, ainda, que seja capaz de proteger os brasileiros que, hoje, dependem do auxílio emergencial e devem começar 2021 sem nenhuma renda — cerca de 10 milhões, nas contas do governo. Dessa forma, o Executivo deve, em um primeiro momento, garantir que vai criar o Renda Cidadã e, só depois das eleições, definir quais recursos vão custear a iniciativa.

Tanto que, ontem, Bittar anunciou nas redes sociais que o programa será lançado entre 15 e 16 deste mês. A tendência é de que o emedebista apresente o Renda Cidadã no relatório da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial — que trata da regulamentação dos gatilhos a serem acionados no caso de descumprimento do teto de gastos.

Bolsonaro pede votos em quem "tenha Deus no coração"

Em discurso na cerimônia de inauguração da primeira fase da segunda etapa do sistema adutor do Pajeú, em São José do Egito (PE), o presidente Jair Bolsonaro pediu aos apoiadores que “caprichem” na escolha para prefeitos e vereadores nas próximas eleições municipais, em novembro. “Vamos escolher gente que tenha Deus no coração, que tenha na alma um patriotismo e queira, de verdade, o bem do próximo. Deus, pátria e família”, enumerou. Ele aproveitou para criticar prefeitos e governadores pelas medidas de restrição e isolamento na pandemia. “O nosso governo tudo fará para todos, aqui no Brasil. Mas, em especial, não esqueceremos, como não esquecemos, os mais humildes. Alguns políticos fecharam tudo durante a pandemia. Eu sempre falei: ‘Não tem que fechar nada, não tem que prender ninguém em casa’.”