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Renda Cidadã está longe do consenso e provoca briga entre ministros

Em reunião com economistas, Rogério Marinho teria dito que o programa social será implementado por bem ou por mal, além de criticar Paulo Guedes. O titular da Economia revidou chamando o colega de "despreparado, desleal e fura-teto"

O programa Renda Cidadã evidenciou a falta de consenso no governo sobre como conduzir a política econômica e colocou, mais uma vez, o ministro da Economia, Paulo Guedes, contra outros integrantes do Executivo. Ontem, Guedes voltou a reclamar dos colegas que pensam em burlar o teto de gastos, desta vez para bancar a iniciativa que deve suceder o Bolsa Família, e subiu o tom contra o chefe do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que teria incentivado o desrespeito às âncoras fiscais e criticado Guedes por sempre atrapalhar os projetos do governo usando o teto como justificativa.

Em uma reunião fechada com investidores, Marinho teria dito que o governo vai tirar o Renda Cidadã do papel por bem ou por mal, mesmo que a criação do projeto signifique romper o teto de gastos, norma que limita o crescimento da despesa pública à inflação do ano anterior. Além disso, o ministro do Desenvolvimento Regional teria demonstrado insatisfação com Guedes e garantido que partiu dele a ideia de usar recursos destinados ao pagamento de precatórios (dívidas de ações judiciais da União) e uma parcela do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para financiar o programa, o que Guedes nega.

Com a repercussão das eventuais falas de Marinho, o ministro da Economia reagiu duramente, em um primeiro momento, dizendo que, se ele tiver mesmo dito tudo isso, “é despreparado, desleal e fura-teto”. Os dois têm divergido sobre o teto de gastos desde agosto, quando o ministro do Desenvolvimento Regional passou a sondar Bolsonaro sobre a possibilidade de o presidente propor manobras ao teto e destinar mais verbas para obras públicas.

Para Guedes, caso Marinho tenha sugerido que o Executivo deve fazer o Renda Cidadã de qualquer jeito, “deve entender muito mais de política” do que ele. “A economia está voltando, as reformas prosseguem e daí começam essas lutas paralelas. Não estou interessado em briga. Tento me concentrar na parte econômica. Na hora em que o país está voltando você vai para um cenário de irresponsabilidade fiscal? Tem gente que quer furar teto, mas não vamos furar teto”, frisou.

Saídas

Desrespeitar o teto de gastos para criar o programa social é uma possibilidade que não agrada às lideranças bolsonaristas no Congresso que estão à frente da formulação do Renda Cidadã, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Ele tem dito que o Executivo vai manter o compromisso com a austeridade fiscal e evitar manobras para a criação do programa.

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), que ficou incumbido de definir as regras para o financiamento do Renda Cidadã, também não quer ferir o teto, tanto que apresentou a proposta de recorrer a precatórios e ao Fundeb para bancar o projeto, visto que nenhuma das duas medidas ia romper a regra fiscal — os precatórios seriam apenas remanejados dentro do Orçamento, e a emenda constitucional do teto não leva em conta gastos com educação.

Apesar disso, as sugestões foram condenadas por Guedes, que recuou do plano apresentado pelo governo, no início da semana, após forte reação do mercado e da classe política. Com isso, o parlamentar passou a ouvir outros integrantes do governo, entre eles, Marinho. O ministro do Desenvolvimento Regional teria sugerido a Bittar retirar o programa social do alcance do teto, desde que com uma alternativa que não aumente o deficit fiscal.

Resposta

Logo após a crítica do ministro da Economia, o Ministério do Desenvolvimento Regional soltou uma nota na qual informou que as notícias sobre a reunião realizada com o grupo de economistas “chegaram à imprensa de maneira distorcida” e que, no encontro, “não foram feitas desqualificações ou adjetivações de qualquer natureza contra agentes públicos”.

“Em sua fala, Rogério Marinho destacou que o governo reconhece a necessidade de construção de uma solução para as famílias que, hoje, dependem do auxílio emergencial e que essa solução será resultado de um amplo debate com o Parlamento, em respeito à sociedade e às âncoras fiscais que regem a atuação do governo. A reunião teve o intuito de reforçar o compromisso do governo com a austeridade nos gastos e a política fiscal”, destacou o documento.

No entanto, um economista que ouviu a declaração de Marinho afirmou à reportagem que o ministro deixou “mais ou menos claro que o governo está procurando uma saída sem cortar despesas, excluindo o Renda Cidadã do teto de gastos”, ou seja, tentando burlar a âncora fiscal sem dar uma alternativa de uma substituição plausível, o que não agradou nem um pouco aos agentes financeiros. Esse tipo de saída via estouro do teto de gastos ou uma flexibilização, que não está muito bem explicada, segundo especialistas, mostra que o governo Bolsonaro não tem uma política econômica definida e, muito menos, sabe que linha econômica pretende adotar.

Para os analistas, o maior problema, hoje, para a economia é a questão fiscal. E se o teto de gastos for flexibilizado, em vez de cortar despesas, o governo vai deixar um sinal muito ruim ao mercado, confirmando que não consegue controlar o crescimento da dívida pública, que está próxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar insustentável para qualquer país emergente.

“Não foram feitas desqualificações ou adjetivações de qualquer natureza contra agentes públicos”
Nota do Ministério do Desenvolvimento Regional sobre a reunião de Marinho com economistas