Em dia de derrota para Trump, Bolsonaro escolhe o silêncio

Após a confirmação da vitória de Biden nos Estados Unidos, Bolsonaro não se pronunciou nem realizou o tradicional telefonema de cumprimento ao novo presidente, ao contrário de governadores e congressistas

Augusto Fernandes
postado em 08/11/2020 06:00
Com a derrota de Trump, analistas avaliam que Bolsonaro será pressionado a promover mudanças no pensamento e na forma de atuação do governo -
Com a derrota de Trump, analistas avaliam que Bolsonaro será pressionado a promover mudanças no pensamento e na forma de atuação do governo -

A vitória de Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos representa um baque para o presidente Jair Bolsonaro, que desde a campanha para o Palácio do Planalto, em 2018, vinha adotando uma estratégia cega de completo alinhamento aos ideais de Donald Trump, mesmo que, em contrapartida, nunca tenha sido um entusiasta do atual governo brasileiro. Contudo, por mais que, para ele, a derrota do republicano seja negativa, Bolsonaro terá de engolir o orgulho e tentar criar laços com Biden para não comprometer ainda mais a imagem do Brasil no exterior. Ontem, após a confirmação da vitória do democrata, Bolsonaro não se pronunciou nem realizou o tradicional telefonema de cumprimento ao novo presidente dos EUA, até o fechamento desta edição. O presidente chegou a realizar uma live sobre a situação da falta de luz no Amapá (leia mais na página 6), mas não fez nenhuma menção ao resultado da eleição americana.

Como reflexo dessa relação mais ideológica com Trump, Bolsonaro fez com que o país se afastasse de organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na companhia de ministros com o mesmo pensamento dele, o presidente optou por um caminho isolacionista e prejudicou os vínculos do Brasil com importantes parceiros comerciais, como China e União Europeia.

Agora, diante de uma administração nos Estados Unidos que vai cobrar uma postura diferente de Bolsonaro, o presidente terá de mudar a estratégia de diplomacia. Mas, antes disso, ele precisa se manifestar sobre a vitória de Biden, o que até a noite de ontem não tinha ocorrido. Depois de apostar tudo em Trump, tendo declarado ao longo do ano que seria o primeiro chefe de governo a parabenizá-lo no caso reeleição e até que estaria presente na cerimônia de posse de um novo mandato do republicano, o brasileiro se silenciou ao ver a derrota do “amigo”. Até o momento, única frase de Bolsonaro que pode ser ligada à vitória de Biden ocorreu na sexta-feira, quando ele disse que “Trump não é a pessoa mais importante do mundo”.

A mensagem do brasileiro a Biden será importante porque, de acordo com analistas políticos, se ele se recusar em conversar com o norte-americano, pode deixar o Brasil ainda mais distante do restante do mundo e comprometer de vez o futuro da nação nos aspectos econômico, político, ambiental e de direitos humanos. O professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Cortinhas alerta que “há um prejuízo interno muito grande decorrente da ideologia de política externa que o governo brasileiro vem adotando, porque o Bolsonaro não posicionou o Brasil de modo a priorizar os Estados Unidos, mas de modo a priorizar o Trump e a sua linha de inserção internacional”.

Dessa forma, ele acredita que a saída de Trump da Casa Branca tende a ser positiva para o Brasil porque Bolsonaro será pressionado, inclusive pelo próprio governo, a corrigir o seu comportamento, mesmo que isso signifique abrir mão de princípios que são fundamentais para ele. “Estamos com uma política externa tão ruim e tão defasada de conhecimentos técnicos e científicos que vai ser bom sofrer essas pressões internacionais, pois elas vão nos impor uma correção de rumos. É uma situação extremamente difícil porque, talvez, os valores que estejam sendo construídos internamente tenham de ser desconstruídos a partir disso”, opina.

Mudanças estruturais

Além de uma alteração no discurso e no comportamento, Bolsonaro deve ser instruído a fazer mudanças dentro do seu corpo ministerial. A estratégia deve servir para o presidente retirar dos holofotes ministros que mais atrapalham do que ajudam o Brasil no contato com o exterior, em especial o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Enquanto o primeiro já se referiu a Trump como o salvador da civilização ocidental e disse que se a atual atuação da diplomacia do Brasil “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”, o segundo comanda uma pasta que tem sido bastante criticada, sobretudo por Biden, pela forma como o Brasil tem lidado com as queimadas na Amazônia, no Pantanal e em outros biomas.

Sendo assim, a saída dos dois poderia fazer com que o Brasil se tornasse um país mais pragmático. “Serão necessárias mudanças a nível interno, bilateral e multilateral, e não acredito que seja um processo totalmente sem dor. Nesse cenário, a troca de ministros, em especial do Ernesto, pode ser o símbolo do rompimento com o discurso antigo. Mas, considerando a necessidade de o Brasil ter políticas internacionais mais assertivas, sobretudo do ponto de vista ambiental, isso tende a ser ótimo. Afinal, de uma forma ou de outra, o Brasil terá que olhar pra esse problema”, avalia.

Fundador da Consultoria Política Dharma, Creomar de Souza pondera que, mais importante do que o resultado das urnas norte-americanas, o governo de Bolsonaro tem de se preocupar com a agenda interna do país para melhorar a imagem internacional do Brasil. “Nesse aspecto, entra a votação das reformas, a construção de uma maior racionalidade em termos de gasto público e a escolha de prioridades corretas para a reativação da economia no pós-pandemia. Todos esses elementos geram determinados tipos de forças e ações que vão ter impacto direto sobre a política internacional do Brasil”, explica.

Saudações em série

Ao contrário do presidente Jair Bolsonaro, uma série de governadores, deputados e senadores brasileiros enviaram mensagens ao presidente eleito dos Estados Unidos. Principal rival político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse estar feliz com a vitória de Biden. “Ele é um defensor da democracia e das relações multilaterais. Bom para os EUA, bom para o Brasil”, afirmou.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), destacou que a eleição de Biden “restaura os valores da democracia verdadeiramente liberal, que preza pelos direitos humanos, individuais e das minorias”. “Parabenizo o presidente eleito e, em nome da Câmara dos Deputados, reforço os laços de amizade e cooperação entre as duas nações”, frisou o deputado.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), destacou que “a vitória
de Joe Biden nos EUA é derrota da prática do ‘politicamente incorreto’”. “Um sinal de que a maioria dos americanos está preocupada com o fortalecimento das instituições democráticas, meio ambiente, direitos humanos e cultura de paz. Um bom sinal para a política mundial”, afirmou.

Na mesma linha, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), comentou que “a eleição de Joe Biden nos EUA é vitória da ponderação sobre o extremismo”. “É vitória da civilidade sobre a irracionalidade. Que a mudança semeada pelos americanos sirva de exemplo e pavimente novos e mais felizes caminhos para a democracia e o respeito à diversidade no mundo.” (AF)

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