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Militares mandam recado e impõem distância do governo: "Não temos partido"

Comandante do Exército, Edson Pujol diz que Forças Armadas não são instituição do Executivo nem têm partido. Em resposta, Bolsonaro lembra que o general foi nomeado por ele e que as FAs estão sob "a autoridade suprema do presidente da República"

Sarah Teófilo
postado em 14/11/2020 07:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Apesar de o governo estar repleto de militares, as Forças Armadas mandaram um recado claro para o presidente Jair Bolsonaro de que as instituições não pertencem ao Executivo nem devem ser envolvidas em políticas partidárias. A mensagem foi repassada, ontem, pelo comandante do Exército, Edson Pujol. Em seminário da Defesa Nacional, com a presença da alta cúpula das FAs e do ministro da Defesa, o general traçou os limites das relações. “Não somos instituição de governo, não temos partido. Nosso partido é o Brasil. Independente de mudanças ou permanências de determinado governo por período longo, as Forças Armadas cuidam do país, da nação, elas são instituições de Estado, permanente. Não mudamos a cada quatro anos a maneira de pensar em como cumprir as nossas missões”, disse.

A declaração não foi isolada. Um dia antes, em transmissão ao vivo promovida pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Pujol também estabeleceu distância. “Não queremos fazer parte da política governamental ou da política do Congresso Nacional e, muito menos, queremos que a política entre nos nossos quartéis. O fato de, eventualmente, militares serem chamados a assumir cargos no governo é decisão exclusiva da administração do Executivo”, enfatizou.

Bolsonaro reagiu às declarações de Pujol. Em postagem no Twitter, ontem, ressaltou que o general foi escolhido por ele para comandante do Exército e fez questão de lembrar que as Forças Armadas ficam sob “a autoridade suprema do presidente da República”. “A afirmação do General Edson Leal Pujol (escolhido por mim para Comandante do Exército), que ‘militares não querem fazer parte da política’, vem, exatamente, ao encontro do que penso sobre o papel das Forças Armadas no cenário nacional. São elas o maior sustentáculo e garantidores da Democracia e da Liberdade e destinam-se, como reza a Constituição, ‘à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, da lei e da ordem”, escreveu. “Devem, por isso, se manter apartidárias, ‘baseadas na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República’”, emendou.

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A observação de Pujol foi endossada pelo vice-presidente Hamilton Mourão. O general disse que “política não pode estar dentro do quartel”. “Se entra política pela porta da frente (do quartel), a disciplina e hierarquia saem pela porta dos fundos. Como comandante do Exército, coloca claramente o que é a nossa posição”, ressaltou Mourão.

O vice-presidente negou que as falas de Pujol e outras manifestações de militares sejam uma ação orquestrada para mostrar insatisfação com postura de Bolsonaro. “Isso é uma posição nossa de muitos anos. Nós já sofremos isso aí antes do período de 64, foi um problema muito sério que nós tivemos de politização dentro das Forças, e só serviu para causar divisão”, argumentou.

Mourão lembrou que os próprios regulamentos preveem que “ao militar é vedado participar de eventos político-partidários”.

Só entre os ministros, o governo Bolsonaro tem seis militares. Questionado, Mourão respondeu que o caso dos que estão na reserva, como ele, é diferente. “Militares da ativa, esses realmente não podem estar participando disso. A nossa legislação foi mudada no período de 1964, porque o camarada era eleito, participava de processo eleitoral e, depois, voltava para dentro do quartel. Então, isso não era salutar.”

A situação toda teve início com um discurso de Bolsonaro contra o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, na terça-feira, no Planalto. “Assistimos, há pouco, a um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto (Araújo, ministro das Relações Exteriores)? Quando acaba a saliva, tem de ter pólvora, senão, não funciona”, disse, naquele pronunciamento.

A postura de Bolsonaro foi uma resposta a Biden que, num debate durante a campanha eleitoral, afirmou que o Brasil podia sofrer sanções econômicas se não freasse a degradação da Amazônia. Mas militares sentiram-se desconfortáveis com a declaração do chefe do Planalto, considerada por eles como hostil.

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, colocou panos quentes no assunto. Disse a jornalistas que a menção a pólvora foi “força de expressão”. Antes, durante sua explanação no evento, ressaltou que o Brasil é um país pacífico, em busca de paz. “Mas não há país pacífico sem ser forte”, destacou, ressaltando a estratégia da “dissuasão”.

Críticas

Na última quinta, foram vistas reações de militares nas redes sociais. O general Paulo Chagas, que foi candidato a governador do Distrito Federal em 2018 e era aliado de Bolsonaro, escreveu em seu Twitter que há muito deixou “de dar atenção a pronunciamentos de fanfarrões, às suas ameaças absurdas e à exposição do seu despreparo e falta de maturidade”. No mesmo dia, o general Santos Cruz também usou a rede social para se pronunciar: “Cansado de show. Brasil não é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito”.

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Exército reclama de falta de verba

Em resposta indireta à insinuação do presidente Jair Bolsonaro de que o Brasil poderia enfrentar militarmente os EUA, o comandante do Exército, Edson Pujol, afirmou que a instituição é uma das menores do mundo. No seminário da Defesa Nacional, ontem, o general destacou a ausência de estrutura do Exército.

O reconhecimento das dificuldades técnicas do Exército veio dias depois de Bolsonaro dizer que o Brasil responderia com “pólvora” aos Estados Unidos se a diplomacia não bastasse com o presidente eleito Joe Biden. “(Para) as dimensões continentais, o tamanho da população e a importância que o nosso país detém nas nossas fronteiras, subsolos, águas territoriais, o nosso Exército é um dos menores do mundo. E, ainda assim, pelo tamanho, um orçamento que é insuficiente”, criticou.

Pujol frisou que, se houver uma emergência, não adianta “colocar 100 bilhões de euros” na instituição, pois leva tempo para adquirir equipamentos e treinar militares a usar equipamentos de ponta. “Nós levaríamos muito tempo para preparar nossos recursos humanos para utilizar. (O Exército) Não é a força armada com maior sofisticação. Há material que preciso preparar um militar cinco anos para poder usar em combate”, destacou. Conforme Pujol, se o país quer ter Forças Armadas “à altura do país, não pode pensar em recursos diminutos”, que, ano a ano, vão reduzindo as condições de defesa.

Depois das declarações de Pujol, o vice-presidente Hamilton Mourão comentou o cenário. “É objetivo permanente das Forças que a gente atingisse um patamar de 2% do PIB (Produto Interno Bruto), porque as Forças vivem em dificuldade. Mas as Forças também compreendem a situação que o país vive e que nós temos outras necessidades a serem atendidas.” (ST)

Mourão reconhece vitória de Biden

 (crédito: Evaristo Sá/AFP)
crédito: Evaristo Sá/AFP

O vice-presidente Hamilton Mourão teve, ontem, um novo episódio de desalinhamento com o presidente Jair Bolsonaro ao ser o primeiro integrante do governo a reconhecer a vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos. O chefe do Executivo brasileiro, aliado do presidente derrotado, Donald Trump, não tratou publicamente do resultado do pleito norte-americano.

“Como indivíduo, eu reconheço, mas temos de olhar que eu não respondo pelo governo. Como indivíduo, eu julgo que a vitória do Joe Biden está, cada vez mais, sendo irreversível”, disse Mourão, em entrevista à Rádio Gaúcha.

O general afirmou que o reconhecimento sobre a vitória de Biden cabe a Bolsonaro, mas ressaltou que a relação com os Estados Unidos será igual, independentemente do resultado. “Esse assunto está afeto ao presidente da República, é uma responsabilidade dele, como chefe de Estado. Independentemente do momento em que for reconhecida a eleição americana, nós vamos manter esse diálogo constante, buscando sempre o benefício mútuo para os dois povos”, frisou. O Brasil é um dos poucos países que ainda não se manifestaram publicamente sobre a vitória do democrata.

O assunto já provocou um desconforto entre Mourão e Bolsonaro. Na segunda-feira, o vice-presidente afirmou que o chefe do Planalto saberá o momento de cumprimentar Biden. “A forma como se desenrolam as coisas nos Estados Unidos é diferente daqui no Brasil. Eles não têm tribunal eleitoral. Julgo que o presidente está aguardando terminar esse imbróglio de discussão sobre se tem voto falso, se não tem, para dar o posicionamento dele. É óbvio que o presidente, na hora certa, vai transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito”, afirmou, na ocasião. Horas depois, em entrevista à CNN, Bolsonaro rebateu: “O que ele (Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”.

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