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Fachin: "Há racismo no Brasil"

Ministro do Supremo vota para tornar imprescritível o crime de injúria racial. Na contramão do que sustenta o vice-presidente Hamilton Mourão, magistrado enfatiza a existência, no país, de preconceito por causa da cor da pele

Correio Braziliense
postado em 26/11/2020 23:52 / atualizado em 26/11/2020 23:54
 (crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF - 20/2/20 )
(crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF - 20/2/20 )

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, ontem, para que o crime de injúria racial seja imprescritível. Na visão dele, a injúria em razão de raça deve ser equiparada ao racismo e punida a qualquer tempo. O magistrado enfatizou que existe racismo no Brasil. A Corte analisa o caso de uma idosa que ofendeu um frentista de posto de gasolina, em 2013, com declarações racistas. A defesa da acusada afirma que o crime já prescreveu e que, portanto, a cliente não pode ser punida. O julgamento foi interrompido em razão do horário e deve ser retomado na próxima semana.

Na última semana, o vice-presidente Hamilton Mourão declarou que “não existe racismo no Brasil”. Ele comparou a situação do país com crimes raciais que ocorrem nos Estados Unidos. O presidente Jair Bolsonaro também negou a existência do problema, ao dizer que se tenta “importar” fatos “alheios à nossa história”. Presidente e vice comentavam o caso de João Alberto Freitas, homem negro morto por dois seguranças brancos numa unidade do Carrefour, em Porto Alegre, na semana passada.

Fachin ressaltou que o racismo é um problema estrutural e grave da sociedade brasileira. “Há racismo no Brasil. É uma chaga infame, que marca a interface entre o ontem e o amanhã”, disse o magistrado. Ele é o relator da ação, e o primeiro a votar no caso.

Para o ministro, a injúria racial não pode ser dissociada do racismo, tendo em vista que as características são as mesmas. “Inegável que a injúria racial impõe, baseado na raça, tratamento diferenciado quanto ao igual respeito à dignidade dos indivíduos. O reconhecimento como conduta criminosa nada mais significa que a sua prática tornaria a discriminação sistemática, portanto, uma forma de realizar o racismo”, destacou.

O relator votou para que a idosa acusada pelo crime seja punida, destacando que a lei não pode deixar de ser aplicada nesses casos, independentemente do tempo entre o fato e o julgamento. “Assim, o crime de injúria racial, porquanto espécie do gênero racismo, é imprescritível. Por conseguinte, não há como se reconhecer a extinção da punibilidade que pleiteiam a impetração”, concluiu o ministro.


"Inegável que a injúria racial impõe, baseado na raça, tratamento diferenciado quanto ao igual respeito à dignidade dos indivíduos”

Edson Fachin, ministro do STF

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Deputados querem sanções a empresas

Deputados da comissão criada para acompanhar o caso João Alberto Freitas, homem negro espancado até a morte em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, pretendem propor aplicação de sanções econômicas às empresas que permitirem práticas racistas. De acordo com o coordenador do colegiado, deputado Damião Feliciano (PDT-PB), a medida é um dos principais focos de atuação do grupo. João Alberto foi assassinado, por dois homens brancos, seguranças do hipermercado, no dia 19, véspera do Dia da Consciência Negra.

“Vamos agir do ponto de vista econômico, fazer uma lei para que as empresas que cometerem racismo institucional possam ser responsabilizadas. Fazer com que toque no bolso, que essas empresas percam requisitos em relação à estrutura pública brasileira, não possam participar de licitações, de incentivos fiscais, juros de bancos subsidiados”, afirmou Feliciano.

O deputado também avalia a criação de um ranking anual das empresas acusadas de racismo. Segundo ele, a ideia é que a lista seja divulgada, também, em outros países, como mais uma tentativa de atingir economicamente as empresas.

A comissão deve realizar uma série de reuniões sobre o tema. Hoje, ocorrerá uma audiência pública com juristas negros. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi convidado para participar do evento.

 

 

Homofobia:sem acordo

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, rejeitou o acordo oferecido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que poderia livrá-lo da abertura de inquérito por homofobia no Supremo Tribunal Federal (STF). Para isso, ele teria de admitir que cometeu crime ao dizer, em entrevista ao Estadão, em setembro, que o “homossexualismo (sic)” é “fruto de famílias desajustadas”. A declaração levou a PGR a pedir a abertura de uma investigação na Corte.

Em manifestação enviada ao STF, ontem, Ribeiro comunicou oficialmente que recusa a proposta de acordo e pede o arquivamento do caso. O ministro também reiterou “o seu mais firme pedido de desculpas, já formulado publicamente, a toda e qualquer pessoa que tenha se sentido ofendida pelas palavras proferidas”.

A admissão de que o ministro cometeu crime de ato preconceituoso contra homossexuais poderia ser interpretada como um sinal contraditório do próprio governo Bolsonaro, que tenta no STF justamente “relativizar” o conceito de homofobia.

A possibilidade de acordo foi oferecida pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, ao ministro, em 25 de setembro, mesmo dia em que o órgão pediu a abertura de inquérito ao STF. No último dia 5, o vice-procurador-geral informou ao advogado-geral da União, José Levi, que havia questionado o titular da Educação sobre “eventual interesse em entabular um acordo de não persecução penal”. O ofício foi enviado à Advocacia-Geral da União (AGU) porque esse é o órgão que está fazendo a defesa de Ribeiro no caso.

Procurada, a AGU informou que não comenta “processos judiciais em curso”. Questionado por que Ribeiro rejeitou o acordo, o Ministério da Educação não respondeu. “Nesse tipo de acordo, além das tradicionais medidas, como indenização, prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa, é possível ajustar com o Ministério Público outras condições alternativas que não estão previamente especificadas pela lei, tal como uma retratação pública”, afirmou o advogado constitucionalista Ademar Borges.

“Não é normal”

Pastor presbiteriano, Milton Ribeiro assumiu o MEC em julho, substituindo Abraham Weintraub e prometendo ter um estilo mais moderado. Na entrevista de 23 de setembro, o ministro defendeu mudanças em relação à educação sexual. Segundo ele, muitas vezes, a disciplina é usada para incentivar discussões de gênero. “E não é normal. A opção que você tem como adulto, de ser um homossexual, eu respeito, não concordo”, afirmou, na ocasião. “Acho que o adolescente que, muitas vezes, opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminha por aí. São questões de valores e princípios”, frisou.

 

 

Substituto do Bolsa Família só em 2021

O programa de transferência de renda que o governo quer bancar como substituto do Bolsa Família pode não ser aprovado neste ano. A afirmação é do líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO), ontem. Segundo ele, como não há “ambiente político já definido” sobre qual é a melhor estratégia para financiar a iniciativa, o Executivo quer ampliar as discussões para entrar em consenso com o Congresso Nacional.

Dessa forma, Gomes comentou que o Renda Brasil ou Renda Cidadã terá de aguardar, pelo menos, até janeiro. De acordo com o senador, existe a possibilidade de a medida ser apresentada ao Parlamento fora do texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos que devem ser acionados no caso de descumprimento do teto de gastos.

“As discussões continuam muito fortes, mas não dá para saber se esse instrumento surge já na aprovação da PEC Emergencial ou se é criada toda uma preparação para o debate em janeiro e fevereiro, já que teremos discussão sobre reforma administrativa, tributária e outras matérias importantes”, afirmou Gomes a jornalistas no Palácio do Planalto.

Uma das fontes de financiamento para o novo programa em estudo pelo governo, segundo o parlamentar, é o corte em incentivos e subsídios tributários. No entanto, ele ponderou que o Congresso deve jogar contra essa ideia.

“É um elemento da discussão, mas a gente entende que o esforço maior vai ser feito para garantir o direito (ao programa) e cortar outro tipo de despesa. A gente não tem, na minha opinião, ambiente político já definido para saber qual será a estratégia”, afirmou. “O que a gente nota é que o Congresso vai ser mobilizado para esse debate, porque existe uma necessidade grande de amparo social e de ambiente para recuperação da economia.”

 

 

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