A polarização política que o Brasil vem passando nos últimos anos pode ter desencadeado em um novo fenômeno: o crescimento da violência contra políticos de todo o país. Um levantamento prévio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, apenas neste ano, 99 pré-candidatos e candidatos foram assassinados ou sofreram tentativas de assassinato.
Na visão de especialistas, a Justiça Eleitoral ainda não consegue apresentar de forma concreta os números da violência contra os políticos. Na semana passada, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que os crimes do por motivação política “não são problemas da Corte”.
“O TSE ainda não entendeu que esse fenômeno vem crescendo e é necessário um mapeamento sério para que ações concretas possam ser feitas. Ainda existe uma negativa do enfraquecimento da democracia que o país vem passando”, avalia o analista em legislação eleitoral Pablo Velloso.
Uma pesquisa feita pela ONG Terra de Direitos mapeou 327 casos ilustrativos de violência política entre 1º de janeiro de 2016 a 1º de setembro de 2020. De acordo com o levantamento, foram 125 casos de assassinatos ou atentados, 85 casos de ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e quatro casos de prisão ou tentativa de detenção de agentes políticos.
Ao observar as ocorrências em cada um dos anos mapeados, a cronologia revela um aumento dos atos violentos contra a vida. Em 2017, foram mapeados 19 assassinatos e atentados. Ainda que tenha sofrido uma pequena queda em 2018 (17 registros), o número de atos violentos saltou para 32 em 2019 e o presente ano, até o início de setembro, contabiliza já 27 casos.
Para Elida Lauris, coordenadora da Terra de Direitos, o crescimento da violência está atrelado às eleições de 2018, com a ascensão de candidatos de extrema-direita, e com algumas candidaturas de grupos de sub-representações. “Isso se consolidou com candidatos que adotaram o discurso da violência para se elegerem e se manterem em evidência. Atrelado a isso, alguns grupos de mulheres, negros e LGBTQI+ que se elegeram e passaram a ser visados, viraram alvos de ataques. Podemos analisar que, na maioria dos casos, os políticos violentados são desses grupos de classes minoritárias na política”, afirma Lauris.
Impunidade
Segundo o levantamento, nos casos de agressão, 43% dos responsáveis não foram sequer identificados. Em casos de atos contra a vida, o número sobe para 63%. Nessa estatística está o caso de Marielle Franco, vereadora que atuava no combate às milícias no RJ, assassinada em janeiro de 2018.
“O último estágio da violência é o assassinato. Mas a violência política contra Marielle já ocorria muito antes de ela ser eleita, ainda como candidata. Não existe um mecanismo de alerta ou controle para esse ambiente de intimidação. Isso está cada vez mais crescendo e transbordado”, explica a coordenadora.
No entendimento da pesquisadora, as eleições municipais deste ano deram uma resposta aos extremistas, quando parte da sociedade conseguiu eleger um grande número de pessoas sub-representadas como mulheres trans e pretas. Contudo, elas terão que “lutar” para garantirem seus direitos políticos.
“Com todo esse cenário de polarização e de uma sociedade racista, que muitas dessas pessoas estão sendo colocadas na roleta russa da violência e dos ataques. Os grupos e organizações criminosas já atuam para deslegitimar a eleição destas pessoas, antes mesmo delas tomarem posse”, completa Lauris.
Racismo
Nesta semana, a primeira mulher negra a se eleger vereadora na cidade de Joinville (SC) voltou a receber uma série de ameaças. Logo após o domingo (15/11) das eleições, a professora Ana Lúcia Martins (PT) já havia denunciado um caso parecido.
No primeiro registro, as mensagens diziam: “Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco”. Após a abertura de inquérito, a vereadora recebeu novos e-mails. "Eu avisei que se vocês fossem na polícia eu ia ficar sabendo", diz a mensagem.
O caso tem sido apurado, inicialmente, como injúria racial e ameaça. “Existe indício de que os autores pertençam a uma célula de um grupo neonazista em Joinville. Já vislumbramos nomes, mas a investigação está em andamento”, disse a delegada Cláudia Cristiane Gonçalves de Lima, da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami).
Em nota, o PT afirmou que os ataques são um “mecanismo de silenciamento”. “Os comentários publicados nas redes sociais e as ameaças à companheira constituem um mecanismo de silenciamento e invisibilidade para impedir a denúncia, a reflexão e a crítica sobre o racismo”.
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