Com uma semana de atraso, Macapá vota neste domingo

Com uma semana de atraso em razão do apagão, cidade realiza hoje o primeiro turno do pleito municipal. Semanas de caos, com graves danos à população, são desafio à imagem dos políticos em geral, e de Josiel Alcolumbre em particular

Luiz Calcagno
postado em 06/12/2020 06:00
 (crédito: Ministério de Minas e Energia)
(crédito: Ministério de Minas e Energia)

Uma conjuntura eleitoral na penumbra. Foi assim que um candidato a vereador de Macapá descreveu o cenário da campanha da capital amapaense ao Correio. Trata-se do único município brasileiro que ainda não teve o primeiro turno das eleições, marcado para este domingo. A população do estado viveu 22 dias de caos após um apagão que atingiu 14 das 16 cidades do estado e deixou um rastro de transtornos, prejuízos financeiros diversos, equipamentos elétricos e eletrônicos queimados e justificada indignação. Revolta que, em muitos casos, foi duramente reprimida pela polícia. O caos foi suficiente para embaralhar as cartas do pleito, que pode chegar na reta final com novos prediletos e rejeitados.

Nessa complexa configuração, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que trabalha para impulsionar o irmão, o candidato a prefeito Josiel Alcolumbre, do mesmo partido, acabou por provocar uma profecia autorealizável. Disse que Josiel, supostamente o candidato favorito pelas pesquisas, foi “o maior prejudicado” pelo apagão. O senador referia-se à desaceleração da campanha e à queima de capital político do candidato da situação. No entanto, a maioria da população sofreu bem mais que os políticos. Esses, se não tinham geradores em casa, puderam comprar, diferentemente da maioria dos amapaenses.

A fala pegou mal e interferiu diretamente na queda de Josiel. Para piorar, a três dias das eleições, candidatos e eleitores esbarraram em ao menos duas pesquisas diferentes sobre a preferência geral, e com resultados bastante divergentes. Pelo Ibope, por exemplo, Josiel despencou de 35% para 26%, e depois recuperou dois pontos percentuais, chegando a 28%. Ele é seguido por Doutor Furlan (Cidadania) e por Patrícia Ferraz (Podemos), tecnicamente empatados em segundo lugar, com aproximadamente 13% das intenções de voto. No cenário do Ibope, o ex-senador João Capiberibe, o Capi, mantém-se em quarto lugar.

Na última hora, o cenário pode surpreender, como aconteceu, por exemplo, no outro extremo do país, em Porto Alegre (RS). Manuela D'Ávila (PCdoB) era considerada favorita, mas a vitória foi para as mãos de Sebastião Melo (MDB). Durante a última semana, na Câmara, diversos deputados criticaram os levantamentos, que chegaram a chamar de criminosos. Mas, a ponderação e as críticas servem apenas para intensificar a penumbra que paira sobre as eleições municipais de Macapá.

“Incompetência”

Analista político e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), o amapaense Richard Leão acompanha de perto o complicado processo eleitoral de Macapá. Ele acredita que há risco de Josiel sequer chegar ao segundo turno, e já admitia, desde 26 de novembro, a possibilidade de Capi ganhar força e se tornar representante das forças progressistas na região. O cenário é apontado como provável, também, para o sociólogo Rogério Meireles, que tem feito levantamentos junto à população nos últimos 10 dias.

Richard lembra que a crise energética provocou desabastecimento de água e de alimento, e ganhou proporções de crise humanitária. Muitos mercados só faziam transações em dinheiro, mas caixas eletrônicos também não funcionavam, agravando ainda mais o caos. Isso fez com que a teoria de que Davi Alcolumbre interveio junto à Justiça Eleitoral apenas para salvar o irmão e ganhasse força, prejudicando ainda mais a situação de Josiel. “Ele atraiu para si a negatividade. Foi um tiro no pé. Tinha de ter pedido para intervir em todo o estado. Passaram a associá-lo a crise. O próprio senador perdeu popularidade”, avaliou.

O analista destaca que Josiel terá de fazer muito esforço para chegar competitivo ao segundo turno. No atual cenário, Cirilo Fernandes, Doutor Furlan e Patrícia Ferraz também teriam chances de se enfrentar em 20 de dezembro. “O apagão passou a fazer parte dos discursos dos candidatos. Todos adotam um tom de crítica agressiva à postura incompetente do governo do estado com relação à crise do apagão, menos Josiel. E candidatos da esquerda, PSB, PT, Psol e outros adotaram tom de crítica forte e se organizam para falar das consequências do apagão, associando o candidato das máquinas à má gestão”, apontou.

Cenário divergente

Com o adiamento das eleições, os candidatos de Macapá tiveram a oportunidade de ver como o país se comportou e quem foi o principal vencedor nas eleições municipais no restante das cidades do estado e do país. Amplamente divulgado, o resultado mostrou um enfraquecimento de Jair Bolsonaro, que não conseguiu impulsionar os nomes de sua preferência, e uma vitória dos partidos do Centrão e, principalmente, do DEM, que foi o partido que mais conquistou prefeituras no país, saindo de 268 para 460. Porém, nesse sentido, também, os concorrentes a cargos eletivos da capital do Amapá se sentem no escuro.

O candidato do DEM é justamente o que vem perdendo forças e é também relacionado ao presidente da República. Afinal, foi Davi Alcolumbre quem articulou a visita de Bolsonaro ao Amapá. Mas o arranjo não surtiu o efeito desejado. Após a passagem do mandatário, houve novos blecautes e reclamações de racionamento de energia em várias regiões da capital. “O DEM teve espaço no território nacional, mas recebe o ônus do apagão. O prefeito de Macapá, Clécio Luís (sem partido), tem aceitação, mas tem dificuldade para transferir votos para Josiel. Jair Bolsonaro vai como herói para levar a luz, mas é uma grande frustração. O apagão continua”, elencou Richard Leão.

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