Justiça

Decisão do ministro Nunes Marques gera imbróglio eleitoral no STF

Decisão do ministro Nunes Marques que anulou trecho da Lei da Ficha Limpa deixa dúvidas sobre o alcance e a eficácia da regra aprovada com grande respaldo popular. Especialistas alertam que mudança pode minar a percepção sobre o combate à corrupção

Renato Souza
postado em 26/12/2020 06:00
 (crédito: Nelson Jr/SCO/STF)
(crédito: Nelson Jr/SCO/STF)

Enquanto não há um parecer definitivo pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão do ministro Kássio Nunes Marques que suprime o trecho de um dos artigos da Lei da Ficha Limpa subsidia recursos de prefeitos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Candidatos que foram barrados pela regra tentam autorização na Justiça para tomar posse do cargo, em janeiro. A liminar deferida pelo magistrado define que o prazo de inelegibilidade começa a valer após condenação em tribunal colegiado, ou sentença transitada em julgado. Ante esse novo cenário, cinco políticos ingressaram com ações no TSE para receber a diplomação em janeiro de 2021.

Até o momento, reclamaram diplomação candidatos a prefeitos das cidades de Angélica (MS), Pinhalzinho (SP), Pesqueira (PE) e Bom Jesus de Goiás (GO). Além deles, um vereador de Belo Horizonte (MG) também pede para ser autorizado a assumir o cargo no próximo ano. Na decisão, o ministro Nunes Marques anulou trecho da lei da Ficha Limpa que fixava que o prazo de oito anos de inelegibilidade começa a contar “após cumprimento da pena”. Com isso, mesmo antes de ter acertado as contas com a Justiça, o período de afastamento obrigatório da pessoa condenada começa a correr.

O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, que tem a responsabilidade de decidir sobre assuntos urgentes no plantão do Supremo, enviou o caso do vereador mineiro para análise do colega, que está de recesso. De acordo com Fux, o recurso apresentado contra a decisão foi endereçado ao relator, neste caso, ao ministro Nunes Marques, e, por isso, ele não pode decidir sobre o tema. “Ele proferiu liminar que é passível de recurso que só ele pode julgar. As pessoas, às vezes, imaginam que o presidente do STF pode tudo. Ele pode muito, mas não pode tudo. Então, nesse particular, eu não poderia cassar a decisão dele porque tem recursos que entraram e o recurso é dirigido ao relator", disse Fux, em entrevista à TV Justiça.

A decisão do magistrado é específica para as eleições deste ano, e como é liminar, ou seja, provisória, precisa ser votada pelo plenário da Corte. No entanto, o Supremo só deve retornar do recesso em fevereiro, quando todos os eleitos já terão sido diplomados. A Lei da Ficha Limpa é uma medida de iniciativa popular, cuja proposta recebeu mais de 2 milhões de assinaturas, para tramitar no Congresso Nacional e ser sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2010.

Controvérsias

A decisão do ministro Nunes Marques pegou de surpresa colegas do Supremo. Na Corte, evita-se promover alterações na Lei da Ficha Limpa, em razão da grande aceitação popular e mobilização realizada em torno da norma durante a tramitação. Avalia-se também que a medida popularizou um mecanismo de participação direta dos eleitores no processo legislativo. Especialistas avaliam como “estranho” o fato do magistrado entender que a decisão tomada por ele vale apenas para um pleito em específico.

O advogado constitucionalista Gustavo Dantas avalia que a decisão pode aumentar a insegurança da sociedade em relação à corrupção. “Realmente, a decisão foi um pouco diferente de se entender. Além disso, existe o princípio de anualidade. Qualquer nova regra teria que ser aprovada um anos antes da eleição. Ou seja, essa mudança, em tese, só poderia ocorrer até outubro do ano passado. Teria ocorrido uma nova regra, que, aparentemente, vai contra essa anualidade. Restringir para determinado pleito pode ir contra a isonomia, pois não abarca nem mesmo pessoas que se candidataram neste ano e já perderam todos os recursos para tentar o cargo”, disse. A regra da anualidade também foi lembrada pela Procuradoria-Geral da República, no recurso apresentado contra a decisão de Nunes Marques no último dia 21.

Para Carlos Henrique Barbosa, especialista em combate à corrupção, o principal entrave para a chegada de corruptos ao poder é o voto consciente. No entanto, mudanças na Lei da Ficha Limpa podem criar uma imagem de que a luta contra o problema está sendo perdida. “O maior combate à corrupção pode ser por meio do voto, com a sociedade não elegendo corruptos. Mas, o lado positivo da lei da Ficha Limpa é mostrar ao povo que ele tem voz para além do voto. O combate à corrupção não é restrito às autoridades públicas ou ao voto. O povo também pode propor leis, ter uma atividade proativa. Um exemplo é a Lei de Acesso à Informação. Uma mudança na Ficha Limpa pode trazer como consequência secundária a percepção de que não adianta combater a corrupção”, afirmou.

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