O Brasil pós-pandemia

Conflitos entre Bolsonaro e governadores ameaçam recuperação do país em 2021

Relação instável entre Bolsonaro e governadores é um dos desafios deste ano. Com a piora da crise sanitária, espera-se do presidente o fim dos embates com os gestores para que os processos de proteção dos brasileiros e de retomada da economia sejam menos difíceis

Ingrid Soares
Augusto Fernandes
postado em 01/12/2020 06:05 / atualizado em 01/01/2021 07:48
O governador de São Paulo, João Doria, e o presidente Bolsonaro -
O governador de São Paulo, João Doria, e o presidente Bolsonaro -

Ao longo de 2020, o presidente Jair Bolsonaro foi o personagem principal de uma tensão na política nacional ao partir para o ataque contra governadores, valendo-se até de palavrões para se referir a alguns dos seus principais desafetos. Os embates públicos, motivados, muitas vezes, por divergência de opiniões, acabaram entrando no campo da covid-19: o chefe do Executivo criticou as medidas de isolamento social, reclamou do fechamento do comércio e de áreas de recreação e lazer, atacou os gestores estaduais que se opuseram à hidroxicloroquina e, mais recentemente, passou a duvidar da efetividade de vacinas em desenvolvimento contra o novo coronavírus.

Nas últimas semanas, Bolsonaro até tentou mostrar um tom mais conciliatório com os governadores. Na cerimônia de lançamento do plano nacional de vacinação contra a covid-19, em 16 de dezembro, acenou para a união e a irmandade entre o Executivo federal e os governos estaduais, desculpando-se por eventuais “exageros” que tenha cometido. No entanto, dias depois, afirmou não se importar se o país está retardando o início da vacinação — “Eu não dou bola pra isso” — e incitou a população a cobrar providências dos governadores, caso algum dos imunizantes cause reações adversas.

Essa instabilidade no comportamento de Bolsonaro é vista como um problema para este ano que começa. Como os efeitos da pandemia continuarão, espera-se que o chefe do Executivo evite os embates com os estados, para que os processos de proteção da saúde dos brasileiros e de retomada da economia não sejam ainda mais complicados. Mesmo aliados do presidente torcem por um discurso mais ameno, mas, também, destacam que os governadores precisam fazer a parte deles.

Vice-líder do governo na Câmara, Aluísio Mendes (PSC-MA) diz que o consenso entre o Palácio do Planalto e os gestores estaduais é a chave principal para que o Brasil não sofra tanto neste 2021. Segundo ele, o primeiro ponto de convergência deve ser sobre o plano de vacinação. O parlamentar admite que o governo federal não pode postergar o início da imunização, mas que, também, não pode ser pressionado a começar a vacinação enquanto nenhum laboratório não pedir o registro das vacinas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Muitos governadores cobram do Executivo federal uma data, mas nos causa preocupação a falta de uma vacina aprovada para uso no Brasil. Acredito que, assim que qualquer vacina estiver regulamentada pela Anvisa, o governo vai correr para começar a aplicação”, afirma. “O presidente Bolsonaro não se furtará a, rapidamente, oferecer as vacinas à população brasileira. E, a partir do momento em que os imunizantes estiverem disponíveis aos estados, o clima do presidente com os governadores vai distensionar.”

Mendes destaca que a relação de Bolsonaro com os governadores precisa melhorar porque, neste ano, o país estará diante de uma grave crise econômica. Ele frisa que “só a união de governadores e governo federal vai fazer com que a população brasileira sofra menos”.

Dinheiro

A disponibilidade do governo para socorrer os cofres dos estados será outro termômetro do relacionamento de Bolsonaro com os governantes em 2021. A situação dos entes federativos é delicada do ponto de vista fiscal e há uma expectativa dos governadores de que o Executivo libere recursos extraordinários, como aconteceu em 2020.

Nesse sentido, 17 gestores estaduais apresentaram um pedido ao presidente para que o estado de calamidade pública, decretado pelo governo federal em 2020, devido à pandemia, seja prorrogado por, pelo menos, seis meses. A medida permite despesas da União acima do teto de gastos e o descumprimento da meta fiscal estabelecida para o ano.

De acordo com líderes estaduais, “neste desafiador momento, em que vivenciamos o aumento do número de casos da doença, com elevação da taxa de transmissibilidade em várias regiões brasileiras, alto percentual de utilização de leitos clínicos e de terapia intensiva e crescimento diário do número de óbitos, faz-se necessário o reconhecimento de que o país ainda se encontra em estado de calamidade pública”.

O estado de calamidade pública terminou em 31 de dezembro, e o pedido de prorrogação ainda não foi analisado por Bolsonaro. Nas últimas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi alertado pela equipe econômica de que a extensão da medida pode ser necessária por conta da segunda onda da covid-19 e dos efeitos dela, bem como para a compra de vacinas.

A princípio, Bolsonaro é contra a ideia. O presidente bate na tecla de que o país terá de pagar caro pelo fechamento do comércio em 2020, que fez com que o governo adotasse medidas para atender as pessoas que ficaram sem renda em meio à pandemia. Guedes tem dito, publicamente, que a prorrogação não será necessária e que o Executivo está pronto para enfrentar uma nova onda da doença. Entretanto, as conversas nos bastidores do Ministério da Economia e a pressão dos governadores deixaram a proposta em stand-by.

Analistas dizem que, devido à postura de Bolsonaro, é difícil apostar em uma relação mais harmoniosa entre ele e os governadores. “Cada um tem seus próprios interesses. O ano de 2021 vai ser muito difícil. Bolsonaro tentará se aproximar daqueles com quem tem maior afinidade e partir para o atrito contínuo com governadores como João Doria (de São Paulo), que tem interesse claro em ser candidato a presidente em 2022. É um horizonte incerto, que acaba atingindo a todos”, observa o cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e CEO da consultoria Dharma Political Risk. Ele diz que um cenário mais positivo, de paz, só se desenrolará caso haja um plano eficiente de vacinação.

O cientista político Fernando Luiz Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), diz que a falta de ação do presidente pode tumultuar ainda mais a situação. “Se o governo atrapalhar, os governadores tendem a se unir a Doria, que prometeu iniciar a vacinação em São Paulo em 25 de janeiro, e gerar uma guerra federativa. Tem de ver como Bolsonaro vai lidar. Se partir para o embate, o caso vai parar novamente no Supremo Tribunal Federal. E já sabemos qual foi a decisão da primeira vez, sobre o lockdown: ficou a cargo dos governadores”, alerta.

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Força para buscar solução

Na cerimônia, no Planalto, Bolsonaro, um crítico contumaz das medidas adotadas por governadores para conter a disseminação do vírus, afirmou que, se houve “extrapolações ou exageros”, foi no intuito de encontrar uma solução para o problema da pandemia. “Senhores governadores, é uma honra recebê-los aqui. Outros que não comparecerem, com certeza, foi por motivo de força maior, mas a grande força que todos nós demonstramos agora é a união para buscar a solução de algo que nos aflige há meses”, frisou, na ocasião.

Autonomia

Em abril do ano passado, o STF garantiu a governadores e prefeitos autonomia para determinar medidas de isolamento social no combate ao novo coronavírus. A decisão ocorreu durante a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, impetrada pelo PDT, contra a Medida Provisória nº 926/2020. A MP foi editada pelo governo federal, principalmente, para aumentar o poder do presidente da República, Jair Bolsonaro, que passaria a determinar, nos estados, municípios e no Distrito Federal, serviços públicos e atividades essenciais que não podem parar.

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